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03 abril 2019

Fechar um ciclo


- Recordo-me quando estive aqui...
- Sim, tinhas tido uma grande batalha.
- Salvaste-me! Salvaste-me sempre...
- O amor salvou-te. O de todas as mulheres que passaram por ti...

*

Regressar àquele esconderijo. Tantos anos, décadas, que passei ali. Nas paredes estavam marcadas as minhas frustrações. No chão, os meus pensamentos. Na cama, os meus tormentos.

*

Durante décadas vivi só. Cumprindo as missões que a velha arranjava sempre forma de me entregar.

Vivia em escravidão, consentida talvez. Mas esta realidade era um conforto para mim. O estar ocupada com missões. O matar, simplesmente por matar.

Matar era realmente fácil, depois de nos habituarmos. Anulava-se a consciência, a bússola moral e simplesmente acabava com a vida de qualquer pessoa.

Foram décadas a fazê-lo por encomenda. Sem intervalo.

Até que um dia, a velha deixou de aparecer.

De um momento para o outro, tudo parou. O sangue. As mortes. As lutas. Tudo.

Foi nessa altura que decidi voltar para a baía onde tudo começara. Na esperança de fechar um ciclo.

*

Passado um tempo apareceu o guerreiro e com ele a esperança. Mas ele só via em mim as mulheres do seu passado.

Cuidei dele, esperando que ele me reconhecesse, que voltasse... Porém os dias confirmavam que o espírito não acompanhava o corpo.

Decidi deixá-lo... Dar-lhe tempo para curar...

*

A velha voltou pouco depois com uma última missão. Mas recusei. Não podia...

Falou de uma katana que deu a um guerreiro. Que se alimentava de sangue. Mas que ele a perdeu no campo da última batalha.

A minha missão era descobrir onde ela estava e matar esse guerreiro... o meu guerreiro...

*

As palavras de vingança pairaram no ar e pouco tempo depois no meu corpo.

*

Depois de me assegurar que ele estava bem, após o ter empurrado para as águas da baía, não resisti e fui até à cabana. Queria compensá-lo de alguma maneira pela forma como o tratei.

Entrei e percorri todas as divisões. Fui arrumando a bagunça que ele tinha deixado...

Quando cheguei ao quarto, não resisti e deitei-me naquela cama. O cheiro dele. A marca do corpo. Estavam lá...

Creio que adormeci. Quando me apercebi, o sol punha-se. Ele não me podia ver. Só tive tempo de lhe escrever um bilhete, nada de extraordinário... Só uma palavra. Será que ele algum dia iria ler?

*

Saí a tempo de o ver entrar... Ainda pensei em demorar-me a ver se ele pegava no envelope, mas alguma coisa me urgia a sair dali...

Foi então que cinco assassinos me cercaram. Puxei das sai. Preparei-me para o ataque.

O primeiro saltou, desviei-me e espetei as sai nas costas. O segundo atacou-me com a espada, rodei sobre ela e espetei uma das sai na cara.

O terceiro aproximava-se com a sua kusarigama. Rodava o peso, para me prender. Mas eu saltei sobre o segundo que me atacara e lancei uma sai, enquanto pegava em duas shuriken e lançava-as também.

Nesse movimento, uma seta atinge-me no ombro e grito.

O quarto e o quinto aproveitam-se para se aproximarem, mas um barulho vindo da direção da cabana fê-los fugir e eu desmaiei.

*

- Pega naquilo que precisas.
- ...
- Sim, essa arca guarda um pequeno arsenal...
- Já tens o mapa?
- Sim. Temos de ir...
- Quem vamos combater?
- Uma velha...
- ...
- Sim, essa que tu estás a pensar...

Rui M. Guerreiro