O sonho... uma versão adormecida da realidade?
*
Acordei no meio do sapal. As águas correntes, da subida da maré, lavavam o meu corpo. O sol espreitava no meio das nuvens. A sombra de uma Valquíria rondava os céus.
A esforço levantei-me. Tinha perdido a batalha, mas os demónios tinham-me poupado a vida. Só me queriam castigar... marcar... para que não os esquecesse.
O meu corpo estava cheio de hematomas. A cabeça latejava. Olhei para um reflexo e não reconheci a pessoa que estava perante mim.
Os pássaros festejavam o final da tempestade. Voavam e cantavam à minha volta, completamente indiferentes.
O vento amainara e os raios aqueciam-me. Ainda me sentia sujo, dorido... Procurei a Valquíria, mas ela tinha partido. Talvez frustrada... Hoje ainda não, minha cara!
Continuei a andar pelo sapal. Os meus pés, pesados da dor, custavam a andar no lodo... Mas continuava em direção à baia.
Após arrastar-me muito tempo, percebi que estava perdido naquele labirinto natural. O sol encadeava-me. Os reflexos na água cegavam-me. A dor impedia o raciocínio.
Estava mesmo perdido! Caí de joelhos e gritei em desespero... Mas ninguém me ouvia.
Os pássaros fugiram com o meu grito. O único som que me restava era o da água a correr.
Decidi lavar-me num pequeno lago feito pelas águas da maré.
Atirei-me de cabeça e mergulhei até ao fundo.
Mas o fundo não existia. Havia um túnel. Eu tinha de respirar, mas alguém me puxou a perna e arrastou por aquele túnel.
Debati-me com toda a força que me restava, até que uma calma começou a invadir o corpo.
*
Acordei a tossir. Alguém estava ali, mas eu não consegui ver. O meu corpo contorcia-se para expelir a água que ainda estava nos pulmões.
Depois daqueles espasmos que nos agarram à vida, mantive-me deitado. Sossegado. A respirar. A sentir o ar a entrar em mim e a sair.
Cheirava a humidade. A musgo. A um perfume...
Um vulto aproximou-se. Estava coberto com uma capa negra e um capuz que cobria a cara. As mãos enluvadas seguraram-me no queixo.
Durante um momento fiquei ali, a olhar para um vazio e a cheirar aquele doce perfume...
A mão largou-me. Bati com a cabeça no chão e a dor voltou, mas ainda com mais força. A mão apontou para uma mesa e depois para uma porta.
O vulto ergueu-se e saiu por uma entrada que ainda não tinha visto.
Sentei-me. Olhei à minha volta. Estava numa caverna. Atrás de mim estava água. À minha volta paredes. À minha frente uma mesa, com quatro cadeiras, e uma porta ao fundo. A outra entrada, por onde o vulto desapareceu, estava um pouco mais à esquerda.
Levantei-me. Segui até à mesa e vi um pão, com um pequeno pedaço de carne fumada ao lado.
Abri o pão e meti toda a carne que consegui. Comi sofregamente. Percebi nesse momento o tamanho da fome que tinha.
Quando terminei, despejei água num copo que ali estava e bebi, uma, duas, três vezes... Limpei a boca e o queixo com as costas da mão.
Tentei ver mais qualquer coisa naquela divisão, mas estava vazia. Paredes despidas. Chão vazio. À exceção da mesa, nada mais ali estava.
Dirigi-me à porta da saída, mas algo me dizia para experimentar a outra. Devagarinho, abri e, quando os meus olhos começavam a adaptar-se à escuridão, um flash de luz cegou-me.
Combalido com a dor daquela luz, segurei-me na ombreira da porta. Mas umas mãos pegaram em mim e empurraram-me pela outra.
*
Senti-me a cair e depois um frio cortante. Tinha caído nas águas da baia. Nadei até à margem e deitei-me nas rochas.
Devagar, recuperava o fôlego e o resto da visão.