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01 abril 2025

O mestre

- Mestre, o que dizes não parece certo.

- Desculpa?

- Tu falas de como temos de ser indiferentes à dor, à paixão, às emoções.

- Não é indiferente, é impassível. Podemos sentir as emoções, mas não devemos deixar-nos levar por elas. E não devemos deixar que os outros vejam o quão perturbados estamos.

- Mas isso não é negar a nossa humanidade? Eu percebo a parte em que não nos devemos deixar levar pelas emoções. Mas qual é o problema dos outros verem se estamos a senti-las ou não?

- Perdes vantagem e o controlo.

- Mas as relações são um jogo?

- Não, não é isso que eu quero dizer.

- Não, mestre?

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A menina parava e dançava, corria e andava. Por vezes, voltava atrás e segurava na mão do guerreiro. Outras, deixava-a e voltava a explorar o que a rodeava.

O guerreiro sorria e sentia leveza. A leveza que ele levara tanto tempo a adquirir, ela conseguia-o sem esforço, de uma forma expontânea.

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- Mestre, sinto que tenho de partir. Está na hora! Quero conhecer o mundo e...

- Queres voltar para ela.

- Sim, mestre! Quero voltar para ela.

- Porque inventaste então essa história de conhecer o mundo?

- Porque o Amor parece sempre uma desculpa tão fraca...

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As palavras do pai de Labsirdība ressoavam-lhe na memória. Mal sabia ele que foi graças a estas palavras que o guerreiro mudou. A essas e a muitas outras.

Paixão. Amor. Compaixão. Três palavras que o guerreiro nunca tinha considerado utilizar no seu léxico. Mas aquele rapaz, barra homem, forçou-as em si. Tanta conversa sobre controlo e impassibilidade, tantas regras e restrições...

Afinal, só tinha de se libertar, de se deixar ir... Como aquela rapariga à sua frente.

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- Olá!

Aquela voz acordou-o do torpor que sentia.  Levantou a pesada cabeça com esforço e olhou para os olhos dela. Ali viu mundos, galáxias, constelações, o Universo. Viu-se refletido e, o que viu, entristeceu-o.

Ela pegou-lhe na mão.

- Vem comigo, precisas de um banho e de uma boa refeição.

- Álcool!

- Não, acho que já tens o suficiente em ti.

E, com um sorriso, ela puxou-o e encaminhou-o para uma casa de banhos.

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- Estamos a chegar!

- Verdade, Labsirdība!

- Com sol, o caminho parece mais perto, não é?

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- Obrigado! Porque me trouxeste aqui?

Ela sorriu para o guerreiro e incentivou-o a comer mais.

- Eu não mereço, o que me estás a dar.

- Porque falas em merecer? Se eu quiser dar algo, a alguém, tenho que querer algo em troca?

O guerreiro parou de comer e fitou-a nos olhos. O desejo de beijá-la cresceu-lhe pelo corpo. A ereção que sentia, fazia-o ter vergonha, por sentir o desejo do seu corpo.

Mas ele queria entregar não só o seu corpo. Naquele momento queria entregar-lhe toda a sua totalidade. Mas ele mal a conhecia, como isto tinha surgido?

- Não me reconheces, pois não?

 

 

Rui, o guerreiro ruim