Pesquisar neste blogue

11 maio 2023

Vidros

Há ecrãs que aproximam. Vidros que ligam, ao invés de separar.

Passo por corpos que olham para ecrãs. Naqueles vidros vejo projetadas as imagens de outros corpos. Há palavras que são trocadas. Gestos. Lágrimas... Há até simulações de reuniões, de festas, jantares...

Vejo um corpo que tenta transpor o seu vazio à custa de uma videochamada. Tenta tocar nos corpos mais pequenos, aproximar-se... Às vezes as palavras não chegam para mostrar a dimensão dos sentimentos. Uma imagem não vale mil palavras, nem mil palavras conseguem dizer o que um abraço consegue. Um beijo.

Vejo a solidão crescer naquele corpo... Naqueles pequenos corpos...

Continuo a vaguear pelas casas. Pelas ruas. Pelos campos...

Ao longe, vejo um pequeno edifício. À janela, atrás de um vidro, está um corpo a olhar o infinito da estrada.

Passo pelo corpo. Ao lado dele, está uma mesa. As fotografias de outros corpos sorridentes descansam, protegidas por uma camada de pó, sobre o tampo que segura um chá quente.

Paro atrás do corpo. Ele vira-se. As lágrimas escorrem pela cara. O vírus não está nele. Mas está no corpo a quem deu à luz.

A solidão grita através da carne e da pele.

Abre os braços e entrega-se a mim... Abraço-a e ajudo esta alma a encontrar o amor que sentiu nesta vida. Lavo-lhe as dores e as memórias com as minhas lágrimas. Conforto-a com o olvido.



Rui M. Guerreiro, o guerreiro ruim