Um momento. Um acordar. Dois corpos afastam-se da cama que guardou os seus sonhos.
Não se falam. Não se cumprimentam. Isolam-se. Cada um para seu lado, em apenas 45 metros quadrados.
Um vai para a casa de banho. O outro para a parte que serve de cozinha. Um toma banho, outro o pequeno-almoço que fez para si. Depois trocam.
Cada um lava a sua loiça. Cada um faz o seu comer. Cada um vive uma vida separada, apesar de juntos.
A quarentena só serviu para acentuar o vazio que os separa. Para mostrar porque não podiam continuar juntos.
Hoje, o silêncio impera entre eles. Antes os gritos, as discussões, elevavam-se sobre o vazio, mas nunca chegavam um ao outro.
Passo por entre eles. Observo a casa que os confina numa prisão emocional. Vejo o sofá que um dos corpos comprou, mas que o outro odeia. Reparo num quadro que um dos corpos pintou, mas que o outro odeia.
Vejo coisa a coisa, cada barra que foram erigindo na jaula que os rodeia.
Nunca entendi o amor. Nunca percebi como dois corpos que se apaixonam, que se unem, que prometem a eternidade um ao outro, mudam... Como o que era tão certo, passa a tão incerto. Como o que era, deixou de o ser.
Paro a minha deambulação. Olho para os corações que cada um guarda em si. Daqui a uns dias, cada um sentirá os sintomas provocados pelo vírus que cresce neles. Daqui a uns dias, volto para os confortar...
Rui M. Guerreiro, o guerreiro ruim