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11 maio 2023

Verbo e palavra

«No princípio era o Verbo». «No princípio era a Palavra». Procuro pelos telhados das cidades o significado destas frases. Procuro o sentido destes humanos.

Os corpos fecham-se em cubos de betão, tijolo, estuque, madeira, pedra. Tentam suster com estas pequenas muralhas o que não conseguiam nas cavernas.

Verbo. Conjugações. Tempo. Ação. Poderia considerar que estes corpos escondidos, cheios de medo, pânico, solidão, desnorte, optimismo, negação, procuram através do Verbo perceber o passar dos dias e das noites.

Acreditam que controlam os ritmos e os destinos, se situarem cada momento numa espécie de linha temporal. Algo parecido com a arte que criam. Cheia de momentos e de sequências de momentos. Tudo um verbo conjugado entre o passado, o presente e o futuro.

Palavra. Definição. Objeto. Composição. Vejo corpos que dormem. Outros que conversam, gritam, ofendem, amam... Trocam a palavra por outra palavra. Tentam definir o que sentem, o que pensam, os objetos que compõem a sua vida.

Há algo nesta troca que pensam ser divino. Que realmente pensam ser sagrado. Vejo os olhos de cada um. Vejo os seus pensamentos. Observo todas as linhas da vida e ramificações de cada opção. Nada que estes corpos consigam definir com a palavra.

Reparo ao longe numa caverna de lata, onde um corpo se contorce, geme pesadelos de tempos perdidos, numa vida que ele esqueceu. Outros corpos passam por ele e desviam-se. Verbo e Palavra, uma ativa, outra omitida nos recônditos dos seus cérebros.

Baixo para a caverna daquele corpo frágil. Observo os pesadelos. Tento ver um sentido naquela sequência verbal, nas palavras que surgem em cada momento. Mas nada me faz sentido. Nada me explica a humanidade.

Toco no coração deste corpo e aqueço-lhe a noite. O vírus está lá. Há alguns dias que se encontra neste corpo. Vejo o coração a parar. As sinapses a emitirem os últimos impulsos elétricos. Os pulmões a relaxarem, seguidos pelo diafragma.

No Silêncio do seu consolo, na sua paz, traduzida num sorriso e num acalmar dos globos oculares, vejo algo no rosto, algo sagrado e divino. Vejo todos os outros corpos. Toda a humanidade.



Rui M. Guerreiro, o guerreiro ruim