O amor é estranho. Há um casal de corpos que observo todos os dias. Vivem longe um do outro. Há uma cidade entre eles.
Um vive com a mãe. Idosa. Procura todos os dias animá-la. Quando sai, calça luvas, coloca máscara, abastece-se de gel desinfetante, prepara o saco da roupa quando chegar e coloca um tabuleiro de lixívia à porta de casa.
O outro corpo vive com os pais e a irmã. Não sai de casa nunca. Estuda. Tenta acabar uma tese de Mestrado. Vive e respira os livros que o rodeiam. Os atalhos de teclado e os lápis que afia obsessivamente.
O primeiro corpo vai às compras. O segundo estuda. O primeiro leva compras ao segundo. O segundo observa-o por entre as máscaras. O amor impele-os a abraçar. Mas, esse mesmo amor, impede-os de o fazer.
Os olhos ficam presos. As palavras morrem no silêncio. No peso sagrado do amor que os une. Há beijos que ficam por dar. Um toque. Uma carícia. Uma expressão resumida a uma palavra: Amo-te!
A eternidade. O passado. O futuro. Ficam resumidos naquele instante. Naquele presente. Há uma doença que os separa. Há o medo da responsabilidade da morte mútua. Um beijo pode condenar o outro. Um toque destruir o outro.
O primeiro corpo não consegue voltar a descer as escadas. O segundo não consegue fechar a porta. Há um desejo mútuo de permanecerem para sempre assim.
Passo por entre eles. Observo-os. Tento entender o que os une, apesar da distância. Vejo nos olhos uma conversa. Sonhos partilhados. Desejos. Conforto. Tudo num silêncio.
Desvio-me deles. Há um que está na minha lista...
Rui M. Guerreiro, o guerreiro ruim