Médicas e médicos correm de um quarto para o outro. Enfermeiras e enfermeiros acorrem a cada chamada de uma cama. Auxiliares alimentam os debilitados. Equipas de limpeza desinfetam as camas que vagam.
Vagueio pelos corpos que correm, desesperam, desmaiam. Passo por uma sala cheia de caixas, algumas vazias... No chão, está um corpo que chora, soluça.
Agacho-me perante esse corpo. Intriga-me esta dor. Não é que a não tenha já sentido, mas há dores que me intrigam...
Vi corpos a matarem-se uns aos outros, sem dor, sem pensamento, só medo. Medo de morrerem, de serem feridos, de serem castigados, de serem humilhados, de falharem...
Mas há corpos, como este, que sentem a dor da empatia, da compaixão. Não sentem a dor da morte, sentem a dor da perda... Mesmo que dos outros...
O ser humano é realmente um ser paradoxal. Capaz dos maiores horrores, mas também capaz das maiores subtilezas e fragilidades, a que chamam Amor.
Olho para o corpo mais uma vez. A dor cresce no coração, pulsa pelas veias, dilata-se nas lágrimas.
- Vai tudo acabar bem! Vai tudo acabar bem!
O corpo balança na sua solidão, enquanto repete estas palavras. Vejo ao lado umas luvas e uma máscara. Abandonadas num chão branco. Lá fora os outros corpos atropelam-se, gritam, deixaram de sentir, simplesmente reagem.
Volto a olhar para este corpo solitário. Poderia confortá-lo. Tirar-lhe este peso. Mas ainda não chegou a hora. Só daqui a uns dias, quando o vírus que se entranha e se reproduz minuciosamente, utilizando os recursos deste corpo, acabar de se reproduzir.
Levanto-me. Toco-lhe ao de leve no coração. Aviso-o que me vou atrasar a confortá-lo...
Rui M. Guerreiro, o guerreiro ruim