- Toma, Misneach... É para ti! Mas não mostres aos teus pais... É um segredo nosso.
A velhota saiu do barco e piscou-lhe o olho.
A fada do sul não percebeu nada, mas aceitou o pendente e escondeu-o. Não queria arriscar que os irmãos o roubassem, ou que os pais o queimassem...
Esta era a primeira vez que tinha algo só dela. Um tesouro... Mas não percebeu porque é que a Velha da Fronteira lhe tinha dado aquele pendente em forma de falcão. Nem eram amigas... Ela era só mais uma cliente regular na travessia do rio...
- Hei! Tu aí! Não trabalhas hoje?
Misneach virou-se e viu o grupo de copos do pai... Mais uma vez ia fazer uma travessia à borla e o pai ia, mais uma vez, bater-lhe porque não trazia dinheiro suficiente.
No final do dia, depois de mais três travessias, ao invés de remar o barco para casa, decidiu deixar-se levar pela corrente... Ela precisava de tempo para perceber o que era aquele pendente e porque é que a velhota o deu.
- Ai, Misneach, Misneach, no que te metes...
Nesse preciso momento, o pendente transformou-se num falcão verdadeiro.
- Mas que raio...
- Olá, Misneach! Vejo que partilhamos o mesmo nome...
- Desculpa?
- Eu sou Misneach, o espírito do falcão das areias.
- Ah! Eu sou Misneach, a única que trabalha para levar dinheiro para casa...
A seguir seguiu-se um silêncio constrangedor.
O falcão porque não sabia o que fazer, aquela era a primeira fada que conhecia, além de Velha da Fronteira, a última fada feiticeira criadora de pendentes. A fada não sabia o que era um espírito e não sabia o que dizer...
- A Misneach vai ser castigada! A Misneach vai ser castigada!
A cantilena dos irmãos da fada aproximava-se cada vez mais... Com medo, a fada pediu ao falcão para voltar a ser pendente e depois escondeu-o junto ao coração.
Pela primeira vez, tinha um tesouro para guardar...
Rui M. Guerreiro, o guerreiro ruim