Há um corpo no chão. Ninguém lhe toca. Dizem que tem um vírus.
Há dois corpos de pé. Choram. Dizem que têm um vírus.
Há meia dúzia de corpos fardados. Não se chegam ao corpo. Dizem que há um vírus.
Os corpos estão presos no tempo. No espaço. Congelados num sentimento, num momento eterno. A memória ficará tatuada nos corações destes corpos... e eles nem se aperceberão. Um momento eternizado...
O sol aquece-os, mas eles não o sentem, vivem já no futuro daquele dia. Menos os que choram, esses dois corpos vivem no passado daquele dia.
O corpo levanta-se, mas ninguém o vê. Há algo invisível nele. Olha para os vários corpos que o rodeiam. Olha para o seu. Olha para mim.
Estendo-lhe a mão. Conforto a dor que ele sente. Não a dor da partida. Não a dor de deixar os corpos que choram. A dor da impotência que sente. A impotência de dizer que está tudo bem. Que para ele é só uma passagem.
Abraço-o e cubro-o com as minhas vestes negras. Choro mais uma vez as lágrimas da vida que ceifei.
Choro-as para o lavar.
Choro para o limpar de mais uma vida, para que se prepare para a que se segue.
Abro os braços, as vestes, e liberto-o.
Volto a olhar para os corpos. Hoje não foi um vírus que matou. Foi a compaixão que morreu. Mas desta morte não cuido eu. Dessa cuida cada corpo que a matou...
Rui M. Guerreiro, o guerreiro ruim