Não sei quanto tempo ficámos ali, a beber o chá e, em silêncio, a olharmos um para o outro.
O tempo, como sempre, parava quando nos olhávamos. Não é que ele existisse nesta dimensão, mas o sentimento era esse. Tudo ficava suspenso à nossa volta. As gotas paravam no ar, os pássaros congelavam e as árvores fixavam-se nos seus embalos pelos ventos.
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- A casa e a paisagem estão diferentes!
Assustei-me e deixei cair as coisas que tinha na mão. A Morte ria-se, enquanto ajudava-me a apanhar os cacos.
- Tive um sonho, esta noite. Sonhei com esta cabana e as glicínias. Mudei tudo o que tinha feito ontem. Gostas?
- Onde foste buscar a ideia destas canecas?
- Não sei...
- Estranho!
- Reconheces?
- De um tempo que nunca foi o teu, creio...
Ao dizer aquilo, ela mudou de assunto e acabou por ser ela a fazer a água quente com ervas.
A conversa fluía, enquanto arrumávamos as coisas e preparávamos o lanche. Os nossos movimentos eram como uma coreografia trabalhada, como se bailássemos juntos, ao som da mesma música.
Quando, finalmente, nos sentámos no alpendre, tive vislumbres de uma vida que não parecia a minha. Uma mulher que me morreu nos braços. Cara tatuada e sem língua, apontava para uma criança, morta a dois passos de nós.
Abanei a cabeça e olhei para a Morte. O rosto dela...
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- Porque sorris, quando olhas para mim?
- Tu sabes porquê.
- Não sei! Já te disse que não te leio os pensamentos.
- Então, porque fugiste no outro dia?
Ela olhou-me como resposta. O véu cobriu-lhe o rosto e ela levantou-se.
- Outro dia, está bem?
- ...
Não consegui dizer-lhe nada. E enquanto tentava pensar como haveria de reagir... Ela aproximou-se. Beijou-me. O beijo demorado e lento, nos meus lábios, permaneceu em mim, à medida que ela deslizava pela vereda...
Rui M. Guerreiro, o guerreiro ruim