Ela subiu as escadas do alpendre, passou por mim e sentou-se na mesa. Os olhos dela fixaram-se nos meus, de forma fugaz, e depois voaram com o falcão que ali pairava.
Entrei em casa e fui até à cozinha. Enquanto preparava a chaleira, olhava para trás, pela porta. Ela ali estava, como há momentos atrás.
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- Ah! Sim! Pois, vieste... Vou buscar a água quente. Pus-lhe umas ervas, como me ensinaram os sarracenos. Espero que gostes...
Perdi-me nas palavras. Saiam como sangue de uma ferida aberta. Falei por todos os anos em que lutei numa terra longe da minha, por uma religião que nada me deu e que tudo me tirou.
A Morte ouvia-me. Sem me julgar, sem comentários, sem...Simplesmente, ouvia-me. E eu? Falava, falava, falava... A noite caiu e ali continuávamos.
Até que me calei. Do nada. Fiquei sem mais nada para contar. Um vazio entrou na minha cabeça e adormeci no colo da Morte.
Ainda me recordo de ela me dar festas no cabelo, enquanto dormia, chorava, acordava e voltava a adormecer. O peso de uma vida, despejou-se ali. No colo dela.
No outro dia, quando acordei, estava só, sobre a cama. Levantei-me à pressa e olhei à minha volta. Procurei-a, mas ela não estava
Ainda gritei o nome dela, um nome que me lembrei e esqueci, no momento em que o pronunciei.
Silêncio.
Saí. Olhei à minha volta, vi a paisagem descaracterizada, morta e comecei a construir a casa dos meus sonhos.
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Acordei da lembrança. Peguei nas canecas. Coloquei a da Morte em frente dela e sentei-me.
Ficámos ali, a olhar para o fumo do chá e para o pôr de sol, que se despedia por detrás dos montes.
Rui M. Guerreiro, o guerreiro ruim