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01 dezembro 2021

Chá

O meu chá, as minhas bolachas, o meu café e uma cadeira vazia... A que está à frente da minha mesa, no alpendre.

Olho para o horizonte. Procuro na névoa a sombra da Morte. Anseio pelo regresso dela. Enquanto a espero, dedico-me ao que controlo. Ao que posso fazer: recordar-me...

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A Morte acabou por voltar, como prometido. Desta vez, vinha com o véu sobre o seu rosto. Escondia-se de mim.

- Bom dia, velho guerreiro!

- Bom dia, velha amiga!

- A casa é confortável?

Olhei em volta. Não tinha ainda reparado nela. Era simplesmente quatro paredes, uma cama, duas janelas e uma porta sem nada a fechá-las.

Sem querer, reproduzia a casa de meus pais, numa planície deserta de um país que nada dava, a não ser trabalho e dor.

- Não! Nada confortável...

- Imagino!

Ela começou a rir e, nesse momento, o véu caiu-lhe. A cara dela... O sorriso... O olhar... Fixei-a tanto, que ela se incomodou e parou, devolvendo as sombras ao seu rosto.

- Já me decidi!

- Já? E, então, o que queres?

- Manter as memórias.

- Tens a noção que poderás ficar para toda a eternidade aqui, não tens?

- O que é a eternidade, num sorriso da Morte?

Ela sorriu por detrás do véu. Eu sei!

Levantei-me e comecei a olhar à minha volta. Ia começar pelo exterior. Era ali que começaria a minha transformação e o meu sono eterno, sem céu, nem inferno, ou qualquer outra coisa que o ser humano inventou.

- Cuidado com as memórias, velho guerreiro. Elas podem chamar outras, de outras vidas...

- Talvez, mas eu quero lembrar-me de quem sou.

- E quem és? A pessoa de agora, de outras vidas, de outros momentos?

- Não sei, velha amiga, mas para já, convido-te a visitar-me amanhã, para bebermos uma bebida de água quente que aprendi nas guerras.

- Cá estarei!

Ela partiu. Vi-a a afastar-se até desaparecer.

Comecei a pensar na ideia que tinha da Morte. Um esqueleto coberto com um manto preto que reclamava as almas, como um predador. No entanto...

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Um pássaro pousa-me na mão. Acorda-me! Levanto-me num salto e o pássaro voa para longe.

Sigo o seu voo pelos céus até ele desaparecer da minha vista. Quando baixo os olhos, vejo-a, perante mim. Ela sorri e repete as palavras de há uma eternidade atrás, quando voltou no dia a seguir...

- Sempre tens essa água quente preparada?




Rui M. Guerreiro, o guerreiro ruim