O meu chá, as minhas bolachas, o meu café e uma cadeira vazia... A que está à frente da minha mesa, no alpendre.
Olho para o horizonte. Procuro na névoa a sombra da Morte. Anseio pelo regresso dela. Enquanto a espero, dedico-me ao que controlo. Ao que posso fazer: recordar-me...
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A Morte acabou por voltar, como prometido. Desta vez, vinha com o véu sobre o seu rosto. Escondia-se de mim.
- Bom dia, velho guerreiro!
- Bom dia, velha amiga!
- A casa é confortável?
Olhei em volta. Não tinha ainda reparado nela. Era simplesmente quatro paredes, uma cama, duas janelas e uma porta sem nada a fechá-las.
Sem querer, reproduzia a casa de meus pais, numa planície deserta de um país que nada dava, a não ser trabalho e dor.
- Não! Nada confortável...
- Imagino!
Ela começou a rir e, nesse momento, o véu caiu-lhe. A cara dela... O sorriso... O olhar... Fixei-a tanto, que ela se incomodou e parou, devolvendo as sombras ao seu rosto.
- Já me decidi!
- Já? E, então, o que queres?
- Manter as memórias.
- Tens a noção que poderás ficar para toda a eternidade aqui, não tens?
- O que é a eternidade, num sorriso da Morte?
Ela sorriu por detrás do véu. Eu sei!
Levantei-me e comecei a olhar à minha volta. Ia começar pelo exterior. Era ali que começaria a minha transformação e o meu sono eterno, sem céu, nem inferno, ou qualquer outra coisa que o ser humano inventou.
- Cuidado com as memórias, velho guerreiro. Elas podem chamar outras, de outras vidas...
- Talvez, mas eu quero lembrar-me de quem sou.
- E quem és? A pessoa de agora, de outras vidas, de outros momentos?
- Não sei, velha amiga, mas para já, convido-te a visitar-me amanhã, para bebermos uma bebida de água quente que aprendi nas guerras.
- Cá estarei!
Ela partiu. Vi-a a afastar-se até desaparecer.
Comecei a pensar na ideia que tinha da Morte. Um esqueleto coberto com um manto preto que reclamava as almas, como um predador. No entanto...
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Um pássaro pousa-me na mão. Acorda-me! Levanto-me num salto e o pássaro voa para longe.
Sigo o seu voo pelos céus até ele desaparecer da minha vista. Quando baixo os olhos, vejo-a, perante mim. Ela sorri e repete as palavras de há uma eternidade atrás, quando voltou no dia a seguir...
- Sempre tens essa água quente preparada?
Rui M. Guerreiro, o guerreiro ruim