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22 setembro 2021

O início

Ali ficámos. Sentados. Abraçados. A chorar. A rir. Em silêncio... As palavras recusavam-se a fluir.

A Morte, num repente, afasta-se de mim. Olha-me... Chocada! Assustada! Em pânico!

Sem palavras começa a correr pelos campos. Vou atrás dela, alterando o mundo que se refletia à minha volta. Mas ela escapava-se a cada modulação no terreno. A cada buraco do chão.

Até que parou. Enfrenta-me o olhar e... desaparece.

Os dias foram passando. A minha rotina estabilizando. As imagens da criança, ou qualquer outra, desapareceram.

Voltava a ser um velho guerreiro a viver numa cabana, num mundo criado por mim.

No entanto, a Morte deixara de me visitar. O que ela terá visto?

Desde que nos conhecemos que ela se impediu de ver as minhas vidas. De ver os meus múltiplos destinos, propósitos. Recusava-se a ler a minha alma. Nunca percebi o porquê... Para me defender? Para se defender?

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- Olá, guerreiro!

- Quem és tu? Onde estou?

- Morreste! Lembras-te?

- A batalha, sim... Uma seta, no coração!

Ao dizer isto grito de dor e levo a mão, como num reflexo, ao coração. Mas ela estava limpa, assim como o meu corpo.

Foi nessa altura, ao olhar para a minha mão, que reparei que estava velho. Há quantos anos não a via propriamente.

- Podemos mudar a tua aparência, se quiseres! Enquanto não reencarnares, podes ter a aparência que quiseres e viver onde quiseres. Tudo será criado por ti, à tua vontade. E, também, apagaremos as tuas memórias, mas não as tuas lições. Essas ficarão.

- Reencarnar? Memórias? Lições?

A minha cabeça parecia que ia explodir. Onde estava Deus? O paraíso prometido pela guerra santa? O inferno garantido pelo sangue que manchava as minhas mãos?

- Desculpa, uma coisa de cada vez!

- Sim...

- Vamos começar pelas memórias?

- Não, preferia pelo sítio onde vou viver. Quero ainda perceber o que se passou...

- Não é comum, esse pedido. A maior parte das almas pedem-me para apagar tudo, devido à dor que sentem por ter morrido e pelas pessoas que deixaram.

- O que acontece às almas que querem o mesmo que eu?

- A maioria fica presa entre mundos. Ficam presas pelos cordões que as liga às outras almas...

- Cordões?

A sorrir, a Morte abana a mão, como se me aconselhasse a esquecer, que não era importante, para já. Mas, esse gesto, recordou-me algo... Uma vida que não esta, que tinha acabado. Uma outra...

- Eu conheço-te!

- Claro, sou a Morte.

- Não, eu conheço quem tu eras antes...

A Morte com essas palavras fechou a cara com um véu de sombras e levou-me para um campo.

- Esta será a tua casa, até voltares a reencarnar. Voltarei amanhã...

- Morte!

- Sim?

- Como crio as coisas?

- Basta pensar e o mundo à tua volta refletirá os teus pensamentos... e as tuas emoções. Cuidado!

Estava prestes a partir, quando a paro segurando-lhe a mão. Ela olha-me sem véu e os nossos olhos dizem tudo o que precisávamos de saber.



Rui M. Guerreiro, o guerreiro ruim