Lá fora, a madrugada avisava o aproximar do sol. As cores do céu começavam a mudar. O orvalho a brilhar, como pequenas pérolas soltas pelos campos.
O cheiro da manhã começava a invadir os espaços, assim como o do café que trazia na mão.
Sentia o silêncio daquele momento de olhos fechados. Só de quando em vez, ouvia o cantar tímido de algum pássaro, a avisar a alvorada.
Entre pequenas sorvedelas, eu ia sentindo a luz a tomar conta do céu e da terra. Sem ver, sentia o mundo a crescer à minha volta, em mim. Um reflexo do meu interior.
Assim que o sol surgiu, abri os olhos. O café tinha-se acabado. O orvalho brilhava intenso. Os verdes estavam mais acentuados. Os pássaros começavam a esticar as asas. Os roedores procuravam abrigo.
A vida continuava, como sempre o fez. Mesmo que em mim tenha sido suspensa...
- Bom dia!
A Morte surgia no caminho. Sorridente. Com um olhar que levei tempo a reconhecer. Estava diferente. Mas ainda não tinha percebido porquê.
- Vou-te buscar um café. Queres?
- Sim, pode ser...
Assim que o acabou de dizer, sentou-se no degrau do alpendre.
Preparei o café e levei-o. No entanto, quando cruzei a porta, estaquei. A Morte chorava. Um choro baixo e lento. Um choro que só nas minhas vidas tinha escutado.
Sentei-me ao seu lado. Entreguei-lhe a caneca e fiquei em silêncio. Ambos ficámos ali, no degrau, com os nossos corpos encostados, as glicínias sobre nós, mas vidas distantes.
Eu aguardava. Ela chorava.
Até que ela me entregou a caneca. Aproveitei aquele momento para lhe pegar na mão e puxá-la para mim.
- Desculpa!
- Parvo!
Rui M. Guerreiro, o guerreiro ruim