Ela ficou a olhar para mim o que me pareceu uma eternidade. Em silêncio. Observava cada gesto meu. Cada microgesto.
- Queres contar-me o que aconteceu?
Ia responder, quando vimo-nos sentados num banco junto a uma escola. À nossa frente passava a tal criança. Ela percorria o passeio com uma mochila enorme e pesada, mas sozinha.
A criança olhava para tudo o que a rodeava, parecia deslumbrada, mas não era bem esse o caso...
- Sentes o que ela está a pensar?
- Sim!
Dentro dela, um mundo totalmente diferente se desenrolava. Um mundo de espionagem e de agentes secretos. Ela era um deles. Tentava entregar algo de importante ao seu chefe. Dirigia-se à sede e tentava passar despercebido. Ser invisível.
Aqui e ali, ela olhava para trás. Parecia querer proteger o seu segredo. Olhava para as montras, para ver os reflexos, e depois seguia confiante.
Mais à frente encontra uma colega que o cumprimenta muito contente. Ele ajuda-a a ajeitar a mochila e vão os dois a conversar alegremente.
Continuamos na nossa perseguição, até que chegamos a uma escola maior que a anterior. Mais antiga, pelo aspeto. À frente dos portões acotovelavam-se imensas crianças de mochilas e alguns pais.
A nossa criança entra com a colega e desaparece na multidão. Corremos para a apanhar e vemo-la a subir umas escadas e depois a virar à direita.
A sala dela tinha várias estruturas em madeira, onde cabiam duas crianças sentadas. À frente delas os tampos eram inclinados e logo acima havia uma ranhura e um buraco redondo. Por baixo, havia uma prateleira, onde a professora gritava para eles colocarem os livros que iam utilizar.
Numa das paredes, para onde os alunos estavam virados, vimos um retângulo enorme, preto, com uma cruz por cima. As outras paredes não poderiam ser mais distintas.
Uma delas era coberta por grandes janelas. A outra, no lado oposto, estava coberta de armários e de mapas com aspeto bem antigo, onde eram referenciados rios e linhas de comboio, como o nome de várias regiões (e de outros países?).
A parede do fundo, tinha umas mesas com algo em cima, que não descortinámos o que seria...
Apesar da algazarra inicial, no momento em que a professora gritou, todos se sentaram muito quietos e calados. Nos olhos de alguns reconheci o sentimento que descobrira recentemente: Medo.
A Morte toca-me no ombro. Sorrimos um para o outro e voltamos pelo caminho que percorremos.
Damos uns poucos passos, quando nos apercebemos da mãe da criança, com uma lágrima no canto do olho. Nesse momento, sinto um aperto no coração e o sentimento de que começa a encher. Vejo no rosto da mãe... Amor.
Começo a chorar.
A Morte fica espantada a olhar para mim, enquanto eu ajoelho-me no chão e começo a soluçar. Choro pela dor que nunca senti e pela que nunca sentirei. Um choro que me lava e limpa algo que nunca pensei ter.
No meio disto tudo, um abraço. Alguém me abraça. As lágrimas saem cada vez mais soltas. Maiores. E todo o céu desaba sobre nós como uma tempestade.
Rui M. Guerreiro, o guerreiro ruim