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03 junho 2021

Sentir

Ao deitar-me, naquela noite, senti algo estranho, diferente... Sentia-me... Angustiado? Talvez!

O facto de não me lembrar do Amor incomodava-me. Perturbava-me o equilíbrio.

Acabei por me levantar. Abri a porta do meu quarto e, à minha frente, estava o quarto daquela criança! Via a sua cama estranha, como que encostada à parede, de lado, com prateleiras por cima.

Ela dormia. A luz que estava em cima da arca, continuava ligada.

Aproximei-me. A criança estava tão serena. Tão pura. O seu rosto relaxado. Os olhos a mexerem-se rapidamente sob as pálpebras.

Um barulho despertou-me daquele transe. O pai entrou no quarto, devagarinho, a sorrir. Ajoelhou-se perante a cama. Abriu o sorriso, beijou a criança e fechou os olhos, como se estivesse a orar.

Levantou-se, aconchegou os lençóis e a criança moveu-se, sorrindo. Depois, o pai aproximou-se do candeeiro e desligou-o, saindo do quarto em silêncio.

Aquele momento. Aquele silêncio depois da luz, permaneceu em mim... Mexeu com o meu coração. O que fiz a seguir foi inexplicável: estiquei a mão e afaguei o cabelo da criança.

A textura, o calor, que senti na minha mão, criou-me uma corrente de energia pelo meu corpo.

Assustei-me!

Recuei. Olhei à minha volta. O meu coração começou a correr. Os pulmões sem ar. A minha mente girava pelas memórias, que não sei se eram minhas, se da criança...

Quando acordei estava na minha cama. A meu lado, a Morte. Lia um outro livro meu, de poesia.

- ...

- Ah, já acordaste.

- Que fazes aqui?

- Bem, antes de mais, convém seres agradável e simpático e dizer-me "Bom dia!", não?

- Ah, desculpa. Bom dia! Acho que tive um pesa...

- Não, não tiveste.

- O quê?

- Se não fosse eu, estarias agora a assustar uma criança.

- Como?

- Sim. Há pouco, estava eu a consolar algumas almas, quando senti-te em perigo. E lá fui. Estavas tu deitado no meio do quarto daquela criança, inconsciente. Imagina o susto dela ao acordar e ver-te ali...

A Morte contou aquilo tudo de uma forma tão rápida que demorei algum tempo a processar. Olhei à minha volta e o sol já estava alto. A luminosidade que entrava pelo meio das portadas já era intensa.

Sentei-me. Esfreguei a cara. Olhei outra vez para a Morte.

- Estou a ficar louco?

- Não, simplesmente estás a viver...

 

 

Rui M. Guerreiro, o guerreiro ruim