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27 maio 2021

Mãe!

Acordo a gritar "Mãe!". Estranho... Não compreendo este chamado, este grito. Esta vida, nada tem a ver com o passado que já vivi, que já perdi.

Levanto-me da cadeira. A chuva já passou e deu lugar à noite. Vou para o alpendre. Adoro o cheiro a terra molhada. Sinto como que a chuva limpasse os pecados da terra, que são os meus também.

Decido ir passear. A Lua está cheia e ilumina-me os passos.

À medida que ando, revejo o meu pesadelo. O porquê de gritar por uma mãe. Tento lembrar-me se nas outras vidas tive uma mãe... Devo ter tido. Mas o esforço cansa-me e eu quero sentir o ar limpo da noite, depois de uma chuvada.

- Olá, velho amigo!

- Olá, minha velha amiga!

- Um pesadelo?

- Sim. Mas não me lembro do que sonhei. Só me lembro de ter acordado a gritar "Mãe!"

- Estranho...

- Também achei!

- Posso acompanhar-te?

- Claro!

Eu e a Morte caminhámos juntos pelas veredas molhadas e enlameadas. O silêncio confortava-nos os dois. A mim, porque me permitia criar o caminho que percorria. A ela, porque permitia-lhe esquecer as almas que confortava.

- Nunca tínhamos vindo por aqui, pois não?

- Não, este criei hoje.

- Gosto dos pormenores. Pirilampos a acompanharem-nos...

Uma coisa que gosto na Morte é que ela repara nos pormenores. Está atenta às minhas surpresas. É sempre um prazer poder criar caminhos e um mundo novo para ela.

Paramos.

- Estás cansado?

- Sim. Aquele pesadelo abalou-me.

- Voltemos, então. Eu faço-te um chá!

O regresso foi em silêncio. Mas desta vez, ele pesava. O pesadelo tinha mesmo abalado a minha tranquilidade.

Ao chegarmos, reparei que a casa se tinha modificado. Aquela já não era a minha. O bosque tinha desaparecido... O charco...

Agora apresentava-se uma rua, mal iluminada, cheia de prédios e casas baixas.

- O que aconteceu?

- Não sei... Eu não pensei em nada...

 

 

Rui M. Guerreiro, o guerreiro ruim