Acordo a gritar "Mãe!". Estranho... Não compreendo este chamado, este grito. Esta vida, nada tem a ver com o passado que já vivi, que já perdi.
Levanto-me da cadeira. A chuva já passou e deu lugar à noite. Vou para o alpendre. Adoro o cheiro a terra molhada. Sinto como que a chuva limpasse os pecados da terra, que são os meus também.
Decido ir passear. A Lua está cheia e ilumina-me os passos.
À medida que ando, revejo o meu pesadelo. O porquê de gritar por uma mãe. Tento lembrar-me se nas outras vidas tive uma mãe... Devo ter tido. Mas o esforço cansa-me e eu quero sentir o ar limpo da noite, depois de uma chuvada.
- Olá, velho amigo!
- Olá, minha velha amiga!
- Um pesadelo?
- Sim. Mas não me lembro do que sonhei. Só me lembro de ter acordado a gritar "Mãe!"
- Estranho...
- Também achei!
- Posso acompanhar-te?
- Claro!
Eu e a Morte caminhámos juntos pelas veredas molhadas e enlameadas. O silêncio confortava-nos os dois. A mim, porque me permitia criar o caminho que percorria. A ela, porque permitia-lhe esquecer as almas que confortava.
- Nunca tínhamos vindo por aqui, pois não?
- Não, este criei hoje.
- Gosto dos pormenores. Pirilampos a acompanharem-nos...
Uma coisa que gosto na Morte é que ela repara nos pormenores. Está atenta às minhas surpresas. É sempre um prazer poder criar caminhos e um mundo novo para ela.
Paramos.
- Estás cansado?
- Sim. Aquele pesadelo abalou-me.
- Voltemos, então. Eu faço-te um chá!
O regresso foi em silêncio. Mas desta vez, ele pesava. O pesadelo tinha mesmo abalado a minha tranquilidade.
Ao chegarmos, reparei que a casa se tinha modificado. Aquela já não era a minha. O bosque tinha desaparecido... O charco...
Agora apresentava-se uma rua, mal iluminada, cheia de prédios e casas baixas.
- O que aconteceu?
- Não sei... Eu não pensei em nada...
Rui M. Guerreiro, o guerreiro ruim