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30 maio 2021

Incompreensão

- Estás melhor?

- Não sei o que me aconteceu!

Eu estava deitado no banco do alpendre, a apanhar os raios de sol da manhã. A Morte estava sentada na cadeira de baloiço, a olhar fixamente para mim.

Tento levantar-me, apesar das dores que me percorrem o corpo. Consigo sentar-me. Olho fixamente para a Morte.

- O que me está a acontecer? O que aquela criança abriu em mim? Aquela cidade estranha? Alguma memória do Futuro?

- Tenta descansar.

- Mas...

A Morte levantou-se e ficou de costas para mim, a olhar para o imenso vale à nossa frente. O sol ainda estava baixo e uma bruma envolvia-nos. Transformando a luz numa espécie de halo dourado.

- Eu não devia contar-te isto, meu velho amigo. Mas creio que tu tens de o saber.

- Não. Não me contes ainda... É algo que tenho de descobrir sozinho.

- De facto, é.

A Morte aproxima-se de mim e agarra-me as mãos. Olha para os meus olhos e diz algo que só é compreendido pelas almas. Uma intuição.

- Tens de ir.

- Sim.

Assim como o disse, desapareceu. Na mesinha estava o meu pequeno-almoço. Levantei-me e fui comer.

Enquanto absorvia os nutrientes presentes naquela comida, olhava pelas brumas, tentava ver o mar lá ao fundo. Mas nem um laivo. No fundo, procurava a esperança, a força de confiar... Elas não estavam ali.

Ergui o meu corpo e fui lavar a loiça, antes de ir tomar banho. Enquanto a lavava, o mundo lá fora mudou. Em frente, estavam terraços, varandas, marquises, pátios e prédios lá ao fundo.

Olhei para trás e vi a criança a ouvir música e a dançar. A mãe costurava algo ao meu lado. O pai não estava lá.

De repente, a criança pára e fica a olhar para mim.

- O que foi filho?

- Nada mãe.

- Andas a ver coisas outra vez? Isso é só a tua imaginação.

- Oh, mãe! Mas eu vi aquelas sombras a correr pela casa. Uma delas até olhou para mim.

- Tens uma imaginação muito viva.

- E a cara na janela...

- Essa foi só um pesadelo.

- ...

A criança foi para o quarto. Senti as lágrimas que ela continha, ao ponto de elas começarem a escorrer em mim.

Ao limpá-las, voltei à minha cozinha. A sensação de solidão voltou para mim. Como se o que me rodeava não me entendesse.

Larguei a loiça e sentei-me no chão a soluçar. As lágrimas escorriam-me pela cara. Gotas grossas caíam no chão. Lá fora, a bruma deu lugar à chuva. Tudo em mim chorava. Tudo em mim, diluía-se.



Rui M. Guerreiro, o guerreiro ruim