- Fadir... Modir... Vordur...
A voz falha, assim como o corpo. Os pés, as pernas, as mãos, os braços... O frio espalha-se nela. Deixa de pensar, de sentir... de controlar o tremor constante.
Abraça-se a ela própria. Não consegue fazer mais nenhum movimento consciente do que aquele.
*
- VÓN! Olha ali...
- Onde fadir?
- Ali em cima!
- Amma?
- Sim!
- Ela segue-nos?
- Não, acompanha-nos!
*
Vón abre os olhos. Sente o calor a voltar ao corpo. Encostada a si está um lobo que olha para cima.
Ela segue-lhe o olhar e vê as cabeças da alcateia a rosnarem para baixo, inquietas.
- Amma!
Estende a mão e afaga a loba que a aquece.
*
- Sabes Vón, quando nasceste, eu percebi que ser teu pai seria, além de um privilégio, uma parte de mim.
- Não percebi, fadir...
- Ser teu pai é parte da minha natureza. Eu sou quem sou, porque também sou teu pai.
- Estás a dizer coisas estranhas, fadir...
*
Os rugidos passam a uivos. Os uivos passam a novo rosnar. Mas, desta vez, para fora do buraco.
Amma ergue-se e começa a uivar longamente.
Vón tenta sentar-se. Perceber o que se passa.
Lobos ganem. Outros rugem e abocanham o ar.
O cheiro a sangue começa a incomodar Amma. Que volteia sobre si e olha para cima.
*
- O que pensas, fadir?
- Em ti!
- Mas eu estou aqui, fadir!
- No teu futuro!
- Todos dizem que sou uma inútil!
- Nós, não!
- Mas a modir e tu não contam!!!
- Pois não, Vón. Só o que vês em ti e pensas sobre ti, conta!
- Eu sou desastrada, fadir... Deixo cair as coisas, atrapalho a modir na cabana, não sei escolher as frutas no mercado, não consigo ajudar na plantação...
- Sabes rastear um animal, reconheces pegadas, consegues ler a floresta, cuidas da Amma, montas armadilhas, sabes atirar uma flecha...
- Mas isso são coisas inúteis para uma mulher. É trabalho de homens!
- Não Vón! É a tua vocação! És tu! Não há coisas de mulheres ou de homens! Há coisas que gostas e que fazes bem. Só isso! As nossas tarefas, as nossas profissões, não têm género.
- Fadir...
*
Uma corda bate na cabeça de Amma.
- VÓN! SOBE! RÁPIDO! ATA A AMMA!
- FADIR?!
- RÁPIDO!
Vón levanta-se a custo. Faz um nó à volta de Amma. Tudo lhe parece muito lento e doloroso, mas consegue. O pai iça a loba.
Os rugidos e os ganidos voltam. A corda, também.
Vón agarra-se e é puxada.
Quando sai do buraco vê lobos em sangue. Amma a rosnar à volta do buraco. O pai com uma tocha e uma faca de caça nas mãos. No chão, estava o arco e a aljava com flechas.
Intuitivamente, pega no arco e na aljava.
- Fadir!
- Vón!
Olham-se nos olhos e sorriem. Mas o pai dela está ferido. Há uma mancha de sangue na perna direita e no braço esquerdo. A cara com salpicos.
A alcateia faz uma última investida. Amma ataca. Vón atira flechas. O pai dela lança a tocha.
Corpos canídeos caiem no chão. O sangue salpica e mistura-se com rugidos, ganidos e um grito...
O pai de Vón cai. Um lobo prepara-se para lhe arrancar a garganta, mas a flecha de Vón atravessa-lhe o crânio pelo olho.
- FADIR!