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06 dezembro 2019

A queda

O Sol erguia-se por detrás do pico da montanha. A luz, ainda branca, iluminava as pequenas ervas que rompiam pela terra negra do chão. Os pássaros cantavam. As flores lançavam os primeiros odores.

A energia da Primavera contaminava a pequena Vón. Ria, dançava, estava feliz.

Atrás dela, ia o pai. Sorria ao caminhar. Olhava para a filha e pensava como o nome era perfeito. Ela era realmente um raio de esperança na sua vida.

*

Vón abre os olhos. Sente o cheiro a suor, a sangue, a humidade... as dores. Tenta primeiro ver se tem algo partido. Não tem. Teve sorte. Apesar das feridas e nódoas negras, não há nenhum osso fora do lugar ou danificado.

Vê onde está. Repara nas paredes do buraco onde caiu. Algumas têm pedras empilhadas como numa parede. Em cima, vê uma parte da Lua cheia... e os lobos.

A alcateia rodeia o buraco onde ela caiu. Estudam a melhor forma de agir. Esperar? Atacar?

Vón sente a ansiedade deles... E o medo dela...

*

- FADIR! FADIR!
- Sim, Vón!
- Está ali uma espécie de cabana...
- Sim, dóttir. É o meu abrigo de caça!
- Foste tu? Foste tu que o fizeste?
- Não! Já está aí há muito tempo. O meu pai usava-o.
- O teu pai?
- Sim. Lembras-te de eu te contar que vivia no outro lado da montanha?
- SIM! Onde era?
- Estás a ver ali em baixo aquele outeiro?
- Sim!
- Aquelas pedras à volta do carvalho?
- Sim!
- Eu nasci e cresci ali!
- O que aconteceu fadir?

*

As lágrimas começam a despontar nos cantos dos olhos de Vón. O desespero, as dores, o frio... Ela não consegue pensar.

À cabeça só vem a ideia de que vai morrer... que não verá o bebé... que falhou mais uma vez... que é, realmente, uma inútil...

*

- Há muitos anos, havia um bando de guerreiros sem terras, sem rei, sem esperança, que atacavam as aldeias que se encontravam perdidas. Pilhavam, violavam as mulheres, matavam os velhos e os homens, levavam crianças para as venderem como escravas.
- ...
- Uma noite, calhou a vez da nossa aldeia.
- Fadir...
- Sabes Vón, eu era um pouco como tu. Adorava a montanha, a floresta, os lobos... À noite, costumava fugir de casa e vinha para aqui... explorar.
- ...
- Foi assim que conheci aquela loba velha que tu viste um dia comigo, junto à campa de Vordur.

*

Vón tinha de sobreviver. Mas o medo era superior a qualquer vontade.

Os lobos tinham parado de rodear o buraco, de olhar para baixo. Tinham tomado uma decisão: esperar!

*

- Ela estava ferida quando a encontrei. Tinha sido expulsa da matilha.
- Ajudaste-a?
- Sim. Tinha ido tratar dela, quando tudo aconteceu. Quando voltei à aldeia, ela já ardia... e...
- Não tens de contar mais nada, fadir! Eu sei...
- Todas as pessoas estavam mortas. Numa noite perdi tudo o que tinha e todos quem amava. Gritei, chorei, jurei vingança... Até que a loba apareceu ali no meio do fogo. Lambeu-me a cara e arrastou-me para fora da aldeia.
- ...
- Depois levou-me de volta ao abrigo de caça, onde a tinha escondido.
- ...
- Foi nessa altura que aprendi tudo sobre a floresta... Sozinho, com a loba...
- Deste-lhe um nome?
- Amma. Ela chama-se Amma!

*

- FADIR! FADIR! AJUDA-ME! FADIR!

*

- Vón!
- Sim, fadir?
- Se algum dia te acontecer alguma coisa...
- Fadir?
- Ouve! Se um dia te acontecer alguma coisa... lembra-te do teu nome! Nunca, NUNCA, percas a esperança...

*

- FADIR! FADIR! POR FAVOR!

Rui M. Guerreiro