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01 dezembro 2019

A loba

Assim que saiu pela porta, as lágrimas começaram a escorrer-lhe pela cara. Que pensava ela conseguir com isto? Morrer?

Ao fundo, estendia-se o escuro da noite e da floresta. Ali estava a solidão mais pura, mais violenta, que os contos à beira da lareira descrevem. Crianças perdem-se e são comidas por lobos e bruxas. Jovens adolescentes são perseguidas e caçadas.

Vón aperta a tocha. Inspira o ar frio, que sente a entrar no corpo e a ativar o compromisso que assumiu: aconteça o que acontecer, ela vai voltar com o pai.

Da sua boca sai uma nuvem de vapor longa e silenciosa. Enruga a testa. E, quando levanta o pé direito para começar a andar, surge uma velha loba no caminho.

Desequilibra-se e quase que cai. Olha para a loba. Ambos os olhares fixam-se um no outro. A loba vira-se e vai-se embora pelo caminho que a adolescente vai ter que seguir.

*

A primeira vez que Vón tinha visto aquela loba era pequena e brincava às escondidas com os outros meninos da aldeia. Era a festa da primavera e toda a aldeia celebrava o derreter da neve e o aparecimento das primeiras flores.

Vón tinha corrido muito depressa e, sem se aperceber, estava junto à orla da floresta. O Sol iluminava todo o vale e cortava as copas das árvores. O caminho que o pai costumava percorrer para ir caçar mostrava um rendilhado de luz.

A contornar os raios de luz viam-se as primeiras borboletas e abelhas. O cheiro a humidade impunha-se a cada inspiração.

Vón sorria e cada vez mais entrava dentro daquela floresta encantada. Via uma flor, um cogumelo. Tocava nos troncos velhos das árvores. Fechava os olhos. Inspirava fundo. Tentava reconhecer todos os cheiros que sentia.

- VÓN! VÓN! ONDE ESTÁS?

O som das vozes acordaram-na daquele transe. Abanou a cabeça e olhou para a frente. Ali, sentada, estava uma loba que a observava fixamente. Vón aguentou o olhar e sorriu. A loba abriu a boca, espreguiçou-se e voltou languidamente para o meio da floresta.

Naquele exacto momento, Vón sente-se a levantar e começa a gritar!

- Sou eu Vón! Sou eu, minha esperança!
- FADIR!!! Vi um lobo, ele estava ali à frente, olhou para mim e depois foi-se embora e vi borboletas, abelhas, tantas flores, cogumelos grandes...
- Calma Vón! Calma! Respira! Viste um lobo?
- Sim, fadir e...
- Vamos embora! A mãe está preocupada. Não digas nada à mãe sobre o lobo, está bem?
- Porquê?
- É um segredo nosso...

*

Aquela loba apareceu-lhe mais vezes. Principalmente depois da morte de Vordor. Ela, à noite, parava sempre na orla da floresta. Uma vez até lhe pareceu tê-la visto junto à campa do irmão, ao lado do pai. Mas também poderia ser um sonho...

- Aconteça o que acontecer!

Ouviu-se Vón dizer em voz alta. Olhou para a floresta e começou a andar, de tocha na mão e um fogo que lhe ardia no coração.

Rui M. Guerreiro