- Sim, fadir! Mas isto tudo é tão bonito!
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Vón, à medida que entra na floresta, recorda-se das vezes todas que percorreu aquele trilho com o pai. A forma como ele falava da floresta, dos seres vivos que ali habitavam, dos lobos...
Tudo vivia em harmonia na voz do pai dela.
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- Para sobreviveres na floresta, tens de a respeitar. Tens de olhar para ela como um grande ser vivo. Mágico.
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O pai de Vón fazia com que tudo parecesse tão simples e equilibrado... Ela adorava de ir com ele, logo após a festa da primavera. Ele mostrava-lhe os pequenos ribeiros que surgiam com o degelo, as primeiras flores, o acordar dos animais que hibernam.
Mas agora, tudo isso estava diferente. A neve começara a cair. Os ribeiros há muito que secaram. As flores desapareceram. Os animais tinham recolhido. Só havia um manto branco à sua frente e o clarão da sua tocha a quebrar o ruído do escuro.
Vón caminhava a custo, apesar de saber de cor aquele trilho. A neve não era muita ainda, mas já dava para marcar os seus passos.
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- Todos os sítios para onde irás um dia, têm regras. A floresta não é diferente. Ela também as tem. Mas enquanto com o homem, muitas vezes, as regras são impostas, com a floresta, vais descobrindo-as. Ela guarda-as como um tesouro e só quem merece aqui estar é que as descobre.
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Há um silêncio e uma calma estranha. Vón olha para cima e ainda consegue ver o céu. Repara numa aberta nas nuvens, onde paira a Lua, cheia, em todo o seu esplendor.
A adolescente sorri e continua na sua demanda. Pé ante pé, regulando a sua temperatura. Tem de evitar transpirar. Se o faz, quando o suor secar, o corpo arrefece e ela não pode perder calor. Os pés também estão confortáveis. Bom sinal!
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- Lembra-te Vón! As árvores falam contigo. Olha este álamo. Vês como está um pouco inclinado? E aquele cedro? Vês como tem mais ramagem daquele lado? Elas procuram o Sol. Apontam para sul. Quando caminhares no trilho, lembra-te sempre de deixares o sul para a tua direita. O abrigo fica para leste, onde termina aquela linha de crista lá em cima.
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Vón pára e olha para cima. Repara na inclinação dos álamos e na ramagem dos cedros, apesar da neve a cobrir. Está a ir bem. À noite é mais difícil, mas ela sabe que conseguirá.
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- Os lobos só atacam quando sentem o medo, o cansaço da presa. E, aqui, és sempre uma presa. Tens que estar sempre atenta. Aos sons, à ausência de sons, aos movimentos, às pegadas, aos cocós. Tudo isto são sinais que a floresta utiliza para falar contigo.
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Vón sente um arrepio. Algo, ou alguém, a observa. Ela olha à sua volta e nada vê. Para cima, só as árvores. Ali a floresta começa a adensar-se.
Acelera o passo. Não percebe como se deixou embalar pelas memórias.
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- E Vón!
- Diz pai!
- Sempre que ouvires um uivo... É sinal que a caçada começou!
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Um ramo quebra-se à distância. Faz eco. Vón não percebe de onde vem, nem a que distância. Volta a acelerar o passo. Abre um pouco o casaco. Não pode transpirar.
Um uivo espalha-se pelo ar da noite. A adolescente pára e respira fundo. A caçada começou!