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28 novembro 2019

Inútil

Vón corre para casa com a parteira a seu lado. Atravessam a estrada cheia de lama, com neve à mistura.

O frio. A neve. A escuridão. Envolvem os rostos vermelhos e ofegantes das duas. Escondem os tropeções e a aflição da adolescente.

- Vê por onde pões os pés! Não fazes nada de jeito. Nem correr!
- ...

Assim que chegam, a parteira agarra-se à mãe de Vón. Começa a falar com ela. Deita-a na cama. Apalpa-lhe a barriga. Abre-lhe as pernas. Vê a dilatação. Põe-lhe os dedos.

- Vai ser complicado... VÓN! Ferve água, traz-me panos limpos, aproxima-me essa mesa daqui... Vá! Depressa.

Vón está de boca aberta! Espantada com o sofrimento e nudez da mãe. Alheada da sequência de ordens. Concentrada na boca da mãe...

- Está tudo bem!

Essas são as únicas palavras que ela ouve. Apesar de não terem sido murmuradas, ditas, gritadas... Ou teriam?

- Acorda sua inútil! Vai pôr água a ferver!

Vón pega no panelão. Tropeça. O panelão cai com estrondo e rebola pelo chão.

- INÚTIL!!! Vai chamar a minha filha! JÁ, sua imprestável!

A adolescente olha para a mãe. A dor dela...

- Módir...

Vira-se e sai pela porta a correr.

Outra vez a lama e a neve atrapalham Vón. Mais umas quedas que sujam a roupa. Mais umas lágrimas que tentam limpar a dor da sua inutilidade, da sua vergonha.


Rui M. Guerreiro