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21 novembro 2019

Dádiva



O fim. Como o início. Sem fim.

*

Caímos numa arena. No topo estava a velha bruxa, num trono de ossos.

Ao nosso redor encontravam-se os demónios e monstros que ela tinha convocado.

Observámos melhor a arena e reparámos que havia várias armas penduradas nas paredes.

Por cima de nós estava uma rede fina e cortante. Não tínhamos por onde escapar.

- Bem-vindos, meus filhos! Que acham desta minha arena? Não se incomodem com os esqueletos espalhados, são de alguns dos vossos antecessores que ousaram enfrentar-me.

A plateia começou a rir-se sem controlo.

A velha sorria enquanto olhava para as suas criaturas. Mas quando se virou, as profundezas áridas da crueldade mostraram-se no seu olhar para nós.

- Tendes duas hipóteses de se salvarem: (1) pedem perdão e eu transformar-vos-ei alegremente em demónios e terão uma vida eterna; (2) lutam entre vós até à morte e o que sobreviver será perdoado e poderá ficar livre para sempre... mas só!

Os monstros e os demónios voltaram a rir alto, empurrando-se e a gritar. Alguns até começaram a esmurrar-se.

- PAREM!

Tudo parou com esse grito. Até a poeira que descia em espiral nos ténues raios de luz das tochas.

A respiração estava suspensa, excepto a nossa e a da velha que se projectou entre nós.

- Não tem de ser assim, sabem? Sempre foram os meus favoritos. Nunca destes meus filhos me trouxe tanta energia e anos de vida como vós.

O espectro da bruxa começou a acariciar os meus braços e o cabelo da sereia. E, num sussurro, acrescentou:

- Não me obriguem a matá-los...

**

Assim que ela acabou de murmurar aquelas palavras, olhei nos olhos do guerreiro. E, com aquele olhar, traçámos o nosso destino.

Corremos para as armas mais próximas.

- NÃO! NÃO! NÃO!

A plateia acorda num rugido. O espectro volta para o corpo da velha bruxa, a tempo de ver as nossas armas cruzarem-se e entrarem no torso de cada um de nós.

Caímos de joelhos, presos e seguros por duas lanças.

Enquanto o sangue pingava, gota a gota, da ponta férrea daquelas armas, ouvíamos o silêncio dos demónios e monstros, entrecortado por um choro que gritava internamente a palavra "Não!".

Ele aproximou a testa da minha. Juntámos os nossos lábios. Partilhámos o nosso último sopro.


Rui M. Guerreiro