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24 julho 2019

Entrega

O fogo purifica. A morte lava os pecados.

*

Olhei para cima. O topo da parede de ossadas parecia tão distante...

Lá em baixo, a lava continuava a escorrer e a lançar salpicos.

Respirei fundo. Lancei a mão direita. Depois a esquerda. O pé direito. O esquerdo. E assim fui subindo os primeiros metros.

Quando faltava pouco, uma mão esquelética agarrou-me o braço. Outra, a perna.

Com a mão livre peguei na espada. Mas um pé bateu-me na mão e a minha katana caiu na lava.

Uma outra mão agarrou-me a perna que faltava.

Com a minha mão livre desferi vários golpes, mas as ossadas não me largavam. Pelo contrário, cada vez mais me faziam entrar na escarpa.

À medida que me puxavam, comecei a sufocar. Mais e mais. Até que... desmaiei.

**

- Lembras-te de mim?
- Todos os dias.
- És mesmo tu?
- Fui sempre!

*

As sepulturas mantinham-se quietas. Nenhum fantasma. Nenhum corpo. Nenhuma ossada. Nada!

Naquele cemitério, só se encontrava o meu corpo, o vento e o frio do granito sepulcral.

Velhos estandartes familiares pontuavam em algumas sepulturas.

Continuava a andar, com as minhas sai na mão... mas nada!

Ao chegar à última sepultura reparei em algo estranho: uma katana espetada. Conhecia aquela katana!

- Guerreiro! Guerreiro! Não pode ser...

Assim que me aproximei da sepultura, ela abriu-se. No fundo da cova, estava o guerreiro.

Saltei lá para dentro. Agarrei-me a ele. As minhas lágrimas lavavam-lhe o sujo da cara.

**

Abri os olhos. Ali estava ela. A mulher, a sereia, que me salvou... que amo. A sua cara distinta pendia sobre mim.

Estendi a mão. Toquei-lhe no rosto.

**

Ele tocou-me no rosto. Os seus olhos abraçavam-me.

O chão abriu-se. Caímos.


Rui M. Guerreiro