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07 abril 2019

A raiva



- Porque me disseste que me amavas?
- Porque é o que sinto.
- Não sabes nada de mim.
- Sei quem és agora.

*

Porque ele me disse que amava? Porque é que...

Choro de raiva, enquanto a noite avança. Vejo as estrelas a rodarem no horizonte. As constelações dos antigos a dançarem, enquanto o meu interior desespera.

Há regras não ditas que têm de ser mantidas. E o dizer que amamos alguém assim... Na véspera de uma grande batalha. Na possibilidade de morrermos...

Ele não percebe que não me posso preocupar com ele, se não perco o foco? Que assim, enquanto luto, estarei a pensar em protegê-lo...

Será que ele não percebe que o amo?

Grito para dentro. Esta dor imensa de uma perda anunciada. De um vazio que aqui estava e que de repente volta a ser ocupado.

Ele não vê que o nosso amor é uma fraqueza? Que poderemos ser mortos pela velha por causa do que nos une?

Ah, que dor só de pensar nisso. Porque é que... Porque é que...

As lágrimas tomam conta dos meus olhos, da minha boca, do meu corpo...

Encosto-me a uma árvore. Não me consigo suster com o peso do que sai de mim.

Vejo a minha vida. Vejo o que perdi. Vejo a dor sempre presente.

A minha alma grita, enquanto o meu coração estilhaça-se e o meu corpo se desfaz...

Sinto-me tão impotente. Frágil. Se algum monstro ou assassino surgissem... eu não conseguiria defender-me. Pelo contrário, oferecia-me às armas que eles empunhassem. Tudo para não sentir esta dor.

Como é que o coração aguenta? A vida é feita de perda, de vazios e... ele renasce. Continua a acreditar que o amor é possível...

Queria arrancá-lo neste momento. Retirá-lo do meu peito. Jogá-lo para o rio e nunca mais vê-lo.

Ele não vê que agora não vou conseguir lutar tão bem? Eu precisava do ódio, do medo, para lutar contra a velha e... ele... retirou-me isso.

Quem é ele para o fazer? Como é que ele se atreveu?

*

Os primeiros raios de sol começam a mostrar-se. Os pássaros madrugam e cantam. A brisa roça-se pelas árvores e traz-me o cheiro da manhã.

Já não choro, nem sinto a dor no meu corpo. Sinto-me mais calma... Mas a raiva por ele mantém-se!

Eu devia ir sozinha. É isso. Vou pegar nas coisas e vou sozinha. Assim não tenho que me preocupar com ele. Posso morrer e matar sem pensar nele.

- Eu não te queria dizer antes da batalha.
- ...

A voz dele surgiu por detrás de mim. Virei-me. Ali estava ele. Sem armas. Sem fogo nos olhos. De mãos limpas. Rosto puro. Ele, despojado de tudo.

- Mas precisava de to dizer.
- Sabes...
- Deixa-me falar, por favor...
- ...
- Amo-te! Sempre te amei, desde que me salvaste do naufrágio.
- Não digas! Por favor, não digas essa palavra... Vamos morrer! Ainda não percebeste isso?
- Eu percebi. E tu?
- ...
- Preferes morrer sem saberes que foste amada? Preferes a dúvida? Queres que seja esse o teu último sentimento antes de fechares os olhos?
- Pára! Por favor...
- Não páro. Não páro, porque quero morrer e saber que o meu amor foi dito. Saber que tu soubeste o que sentia por ti...
- Pára...

Antes de cair com o peso das lágrimas ele agarra-me. Abraça-me. Olha-me nos olhos e diz, sílaba a sílaba: A-MO-TE!

Sela o meu protesto com um beijo... E eu rendo-me! Pego-lhe na cara, olho-lhe nos olhos. E enquanto alterno o choro com risadas, eu digo-lhe: A-MO-TE.

Rui M. Guerreiro