A esperança não se ganha. Não é dada. Constrói-se... milagre atrás de milagre...
*
Espreguiço-me.
O sol aquece-me o corpo. A areia recebe-me. As ondas embalam-me.
Entrego-me à preguiça.
Adormeço, enquanto a espero.
*
Houve um dia, na aldeia, que reparei num homem, já com alguma idade. Ele caminhava sempre como se tivesse mil soldados atrás. Direito. Digno. Apesar da bengala, e da pequena curvatura, quando se olhava para ele, tudo parecia reto.
Chamou-me a atenção a sua presença, porque ele foi o primeiro a aproximar-se de mim, e o último a sair quando acabei a história.
Depois, dirigiu-se a uma banca de apostas. Onde se fazia corridas de qualquer animal que se pudesse explorar e que fosse mais pequeno que uma mão.
Curioso, a partir desse dia, comecei a segui-lo. Observava-lhe o comportamento na aldeia e na banca de apostas.
Ele apercebeu-se e aceitou esta minha curiosidade. Nunca me dirigiu palavra, mas também nunca me afastou.
Neste meu serviço de espionagem, vi-o:
- A bater palmas, de pé, ao empregado do restaurante, que por pouco não deixou cair o tabuleiro.
- A saudar vivamente uma mulher que ia caindo, mas que, no último segundo, conseguiu equilibrar-se.
- A festejar a vitória de um menino pequenino numa luta simulada de espadas.
- A apostar todos os dias no animal com as piores probabilidades.
*
- Porque aposta sempre nos piores animais?
- Nos piores animais?
- Sim, naqueles que não têm hipóteses de ganhar...
Ele olhou para mim e sorriu.
- Acreditas em milagres, contador de histórias?
- ...
- Eu acredito!
- Mas perde sempre!
- Perco. Mas imagina que um dia acontece-me um pequeno milagre? Que num dia banal, corriqueiro, como outro qualquer, eu ganho a minha aposta. Ou que por incrível que pareça, o único prato que o restaurante consegue servir, por algum infortúnio, é aquele que quero?
- ...
- Meu caro contador de histórias, o segredo da vida é procurar as exceções. Os pequenos milagres. Aquilo que, apesar de todas as probabilidades de acontecer, não acontece. O 0,1%.
- ...
- São estes milagres que te ajudam a reforçar, a criar, a construir a esperança... E enquanto ela for alimentada, terás sempre uma hipótese de ser feliz.
- ...
- Adeus, contador de histórias!
*
Acordei. Sentia algo frio no coração. Olhei e vi a garrafa com o tal navio lá dentro...
Sorri.