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23 março 2019

O assassinato



- O teu passado. O meu...
- Outra vida.
- Será?
- ...

*

À medida que nos despachávamos, trocávamos olhares.

A magia do encontro do cuidar, ia-se esfumando à medida que os dias passavam. O meu passado atormentava-o. Atormentava-me...

Será que tínhamos lutado?

*

- Após tantos trabalhos, eis que te chega um finalmente importante.

A velhota interrompeu o meu treino para dar esta informação. Ficou com um entusiasmo em suspenso. Não pelo trabalho em si, mas porque eu poderia provar o meu verdadeiro valor.

- Tens de assassinar um Xógum. Ele está altamente protegido. Tens de ter cuidado...
- Sim... Há qualquer coisa mais que querias dizer...
- É um guerreiro. Ele pode dar-te problemas.
- Quem?
- Depois descobrirás!
- ...

*

O acesso ao palácio era difícil. Tinha de penetrar não só na muralha, como passar por dois anéis defensivos de samurais. Dois no exterior. Um no interior.

O Xógum protegia-se bem e os guerreiros do interior eram a sua elite.

*

A noite estava limpa. As estrelas iluminavam a escuridão. A lua escondia-se na sombra, tímida.

O vento parara de soprar ao longo da tarde. Tudo estava quieto... à espera...

*

Eliminar os sentinelas foi relativamente fácil. Escalei a torre lentamente e em silêncio. Quando cheguei ao topo, tirei uma das minhas sai, saltei e na queda espetei a sai pela boca do sentinela. Depois peguei no arco e matei um a um os outros sentinelas da torre.

Corri pela muralha e saltei para os telhados. Os sentinelas de dentro começaram a dar o alerta. Mas enquanto todos os samurais saíam, eu entrava pelo telhado, mesmo sobre o quarto do Xógum.

Ele foi apanhado de surpresa. Seria tão fácil. Puxei das sai e ia baixá-las quando um guerreiro vindo de fora entrou pela janela e parou o meu ataque.

Recuei. Ficámos a olhar os dois fixamente nos olhos. Algo nele me fazia lembrar do passado. Sei que o mesmo se passou com ele.

Um barulho atrás de mim despertou-nos desse torpor. Era o Xógum a fugir. O guerreiro atacou-me. Desviei-me por milímetros e contra-ataquei. A katana e as sai vibravam a cada batida. A nossa luta, um bailado. Rodopiávamos um sobre o outro, intercalados com o som do metal a bater um no outro. Os nossos corpos estavam em harmonia. Cruzavam-se, tocavam-se e suavam em uníssono.

Esse momento só foi interrompido pela entrada de mais samurais. Olhei para ele, pisquei-lhe o olho e lancei uma bomba de fumo... Desaparecendo pelo meio dos corpos parados com espadas em riste.

*

- Eras tu quem atacou o Xógum.
- Era!
- O teu olhar...
- O teu olhar...
- Os nossos movimentos...
- A nossa dança...
- Guardei o teu olhar em mim.
- E eu, o teu...

Rui M. Guerreiro