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13 março 2019

Mitos



- Amo-te!
- Eu também...
- ...
- Também te amo guerreiro!

*

Partimos juntos. Não queria acreditar que estava com ele a meu lado. Após tantos anos de espera... Vidas...

Mas as dúvidas começaram a assombrar-me.

Que amor seria este que eu sentia por ele? Seria um amor construído pela espera? Baseado naquele momento que partilhei com ele antes de partir? Será que o amava ou amava a imagem que tinha dele?

Quando cuidei dele na cabana, simplesmente dei. Nem pensei naquilo que estava a acontecer.

Acreditei que era o marinheiro, que o tinha recuperado e... entreguei-me.

E o amor dele? Será mesmo amor o que ele sente por mim? Ou será uma mera paixão estimulada pela curiosidade? Ou um eco dos amores que representei?

Será que ele pensa nisto?

Quero tanto acreditar na felicidade com alguém. Quero tanto acreditar naquele amor que ficou suspenso no tempo...

Quero tanto, que de tanto acreditar... duvido!

*

O dia estava cheio de sol. A mão quente dele pegava na minha. Caminhávamos felizes, a conversar, a contar histórias, a recordar aquele fatídico dia em que o perdi.

Naquele dia quente, naquela caminhada, começámos a criar a nossa mitologia. O credo onde se iria basear a nossa relação.

Todos os dias, criávamos mais um bocadinho. À procura das coincidências. De gostos comuns. De sonhos...

Mas, como sempre, a vida prega-nos partidas.

*

Ainda estávamos na aldeia, o guerreiro contava histórias, quando apareceu um homem a perguntar por mim às pessoas que assistiam.

Ninguém disse nada. Não precisavam. Eu já tinha pegado nas minhas sai.

O homem tirou a capa e desembainhou a katana.

O guerreiro pegou na bokuto, mas com um gesto disse para ele se afastar.

Aquela luta era minha.

*

Ao ataque do samurai, desvio-me e espeto uma das sai por debaixo do braço. Rodopio e enfio a outra nas costas. Quando ele cai de joelhos, dou o golpe de misericórdia no pescoço com as duas sai.

A luta foi rápida. Como todas as lutas devem ser.

A luta corpo a corpo não é uma coreografia, não é uma dança. É a procura de uma oportunidade. Do erro do outro, nem que sejamos nós a provocar.

*

A aldeia ficou em silêncio. O guerreiro pegou no pouco que tinha, pegou no meu braço e arrastou-me para fora dali.

O corpo inerte daquele samurai ali ficou, a regar o chão da praça central com o sangue que lhe jorrava das carótidas.

*

- Quem era aquele homem?
- Um fantasma do passado.
- O que ele te queria?
- Tirar-me o futuro.

*

Os mitos da criação também existem numa relação. Mas os nossos foram interrompidos pelos fantasmas de outros mundos. De outras vidas.

Rui M. Guerreiro