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12 março 2019

Ela



Existem tantas realidades, quanto pessoas...

*

Vi-o a sair da cabana. Estava diferente. O brilho do olhar. A postura...

Decidi entrar. Recordar os tempos que passámos juntos.

Passei por cada divisão. Não para ver como ele as deixou... Mais para recordar cada momento que partilhámos.

*

Ao chegar ao quarto, reparei na carta que ele colocou sobre a cama. Por cima, uma flor...

Peguei na carta. Li. Sorri.

Sim, um dia talvez nos voltemos a encontrar. Nessa altura já não serei as várias mulheres que ele vê em mim. Serei uma só pessoa. Um só amor.

*

Peguei fogo à cabana. Lá dentro, deixei a carta e a flor. Não por indiferença. Está na altura de o libertar. De o deixar procurar e criar o seu caminho.

Continuarei aqui, nesta baía... À espera do homem que me prometeu voltar.

*

O fumo elevou-se sobre a copa das árvores, dos bambus... Deixou um rasto no céu. Um sinal de mais um passado que se foi.

*

Ao regressar à praia, vi-o. O guerreiro estava lá. A olhar para a nuvem de fumo.

Queria fugir, sair dali, mas ele baixou os olhos. Fixou-os nos meus.

Foi nessa altura que o reconheci. Ele voltara... Ele era o guerreiro...

Tanto tempo a cuidar dele e nunca tinha reparado. A alma é a mesma. A dor também... A saudade.

O guerreiro aproximou-se de mim...

**

Decidi ir à praia. Tinha de o fazer antes de partir.

De repente, senti que algo não estava bem. Olhei para trás e vi o fumo a sair do meio das árvores, dos bambus... A cabana!

Quando baixei os olhos... Vi-a.

Os nossos olhos fixaram-se. E, nesse momento, reconheci-a. Ela era a sereia da minha outra vida.

Tanto tempo... E, apesar de sentir que o era, não queria acreditar...

Aproximei-me...

**

Ele pegou-me nas mãos.

Peguei-lhe nas mãos.

Puxou-me para ele.

Puxei-a.

Abraçou-me como se a vida dele dependesse daquele amplexo. Como se agarrasse a uma saliência numa montanha para não cair.

Abracei-a por todos os dias que esperei. Por toda as vidas em que não voltei, em que não cumpri a promessa.

Procurei-lhe os lábios.

Procurou-me os lábios.

Beijámo-nos.

Beijámo-nos.

E, naquele beijo, senti a saudade de todas estas vidas separados. Senti a dor da nossa distância.

E, naquele beijo, senti a distância. A dor de uma promessa não cumprida. Das saudades. Das vidas que nos separaram.

As nossas almas, os nossos corpos, uniram-se.

As nossas almas, os nossos corpos, uniram-se.

**

O tempo parou para nós. Ficámos congelados naquele momento.

O passado tinha-se convergido no presente. O futuro... desconhecíamos.

Sem casa. Sem posses. Sem destino. Demos as mãos e partimos.

Fomos criar o nosso próprio caminho.

Rui M. Guerreiro