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20 fevereiro 2019

Ronin



A solidão acompanha os diferentes. Protege-os...

*

Quando acordei, a chuva tinha voltado. Constante. Intensa. Criava sulcos na terra.

*

O dia também estava assim quando fui expulso pelo meu Xógum.

Saí de lá sem roupa, sem cabelo, sem katanas... Completamente despido. As únicas coisas com que saí foram a vergonha e os hematomas que me enchiam o corpo.

A partir daí, seria considerado um ronin, um samurai sem amo, proscrito.

*

Ao sair, uma velha aproximou-se e tapou-me com um cobertor...

Levou-me para uma casa com apenas uma divisão e com uma lareira no meio.

Sentei-me sobre uma esteira que ela me deu. Passou-me uma sopa de miso. Deitou-se e adormeceu.

Fiquei ali, durante algum tempo, a sentir o calor daquela sopa nas minhas mãos. À procura de um futuro no caldo.

*

No dia seguinte, a mulher deu-me um velho kimono e uma ainda mais velha katana.

Olhei para ela e agradeci.

Quando saí da casa estava no meio da floresta. Olhei para trás. A casa já lá não estava!

Perante mim, estava um demónio que me fixava.

A chuva continuava. A respiração dele fazia um pequeno vapor antes de se desfazer com as gotas.

Peguei na katana e senti-lhe o desejo de sangue. Desembainhei e corri contra aquele demónio.

Ele protegeu-se. Uma, duas, três vezes... Não respondia aos meus ataques. Mas eu, ávido de sangue, continuava. Até que ele deixou cair a espada e, sem qualquer pinga de compaixão, cortei-lhe a cabeça.

Assim que a cabeça caiu no chão, senti uma dor no meu braço.

Arregacei a manga do kimono e ali estava um corte. O primeiro de muitos... A dor fazia-me sentir vivo, apesar de estar morto por dentro.

*

Agora recordo-me na teia em que entrei... Expulso por recusar-me assassinar por encomenda, via-me agora a assassinar por escravidão a uma espada, a um sentimento de culpa que me preenchia as veias.

Muitas mortes se seguiram a esta, muitos contratos que assinei, para fazer o trabalho sujo de outros... Tentei mudar, mas a única coisa que mudou foi a indiferença que se instalava...

*

Saí da cabana. Dirigi-me à baia. Podia ser que ela aparecesse naquela manhã...

Rui M. Guerreiro