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19 fevereiro 2019

Mar



Depois do amor... vem o nada... o vazio... o silêncio...

*

Os dias passaram sem ruído. Só. Eu e o mar. Os bambus. A cabana.

Pensava naquela mulher de mil rostos. Lembrava-me da sereia.

Sentia falta delas. Ou sentiria antes o prazer desta ilusão da falta?

O mais estranho ainda era ter saudades de uma vida que não sei se foi minha. De uma história que só ficou registada na minha mente. Seria sonho? Memória?

As ondas continuavam a bater a praia. Os pássaros a cantar. Os insetos a voar. E eu? Perdia-me em pensamentos, desejos, ilusões, saudades...

*

Pensava nos sorrisos que conheci. Nos lábios que me beijaram. Nos corpos que toquei... amei...

Aquela mulher dos mil rostos reunia-os todos.

Recordava os toques que troquei. Os carinhos. As palavras... as mágoas... a dor.

*

Magoamos quem mais tocamos, quem mais amamos. É fácil. Além de sabermos os pontos fracos, sabemos que haverá sempre um perdão.

Então, ao invés de nos controlarmos, explodimos no outro, na esperança que ele seja barragem, das nossas águas descontroladas.

Mas há estruturas que nos conseguem suster, há outras que não. Há falhas que se vão criando. Invisíveis no início. Que começam a crescer. A espalhar-se, com a pressão do nosso turbilhão.

Eu fui tempestade. Levei tudo à minha frente. Com a intensidade dos meus sentimentos.

Não houve barragem. Não houve nada. Simplesmente deixei-me ir...

*

Uma gaivota poisa a meu lado, na areia... No mesmo sítio de onde a vi mergulhar.

O olhar dela estava mais definido... Os olhos. A alma daquela mulher, que era muitas, começava a revelar-se... Mas foi embora... Eu fiquei...

Sou no fundo areia, rocha. Ela é mar, onda...

*

Sempre achei que as mulheres que conheci são mar. Ondas que vêm e vão, que me acabaram por moldar. Que mostraram o melhor, e o pior em mim.

Não pela ação delas, mas pela qualidade da rocha onde embatiam.

*

Vejo a baia e vejo que sou eu. Porto de abrigo. Onde o mar chega para se acalmar. Uma baia criada com o tempo. Com o bater das ondas constante.

*

Estou só. Muito só. Em silêncio... junto o meu sal ao mar...

Rui M. Guerreiro