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18 fevereiro 2019

O adeus



Cuidar. Simplesmente isso... cuidar...

*

Os dias passaram. Ela foi recuperando. Eu, cuidando. Não fazia muito. Simplesmente, estava ali, a zelar por ela.

O mais estranho de tudo, é que os rostos passavam mais devagar. E, em certos momentos, parecia que as feições se definiam de uma forma diferente. Como se o rosto dela começasse a aparecer.

*

- Eu sei, tens de ir, quando estiveres bem.
- Sim.
- Não tens de o fazer... Sabes disso, não sabes?
- Sei... Mas ainda não é tempo.
- Sim, eu também sei que ainda não é.
- ...

*

Chovia lá fora. O cheiro da terra molhada, com o das plantas, inundava a cabana.

Estávamos os dois em silêncio. Aliás, sempre o estivemos, fora pequenas conversas... Mas aquele pesava ainda mais.

*

- Está a cicatrizar bem! Daqui a pouco já podes mexer o braço.
- Sim.
- Está na hora?
- Sim.
- Não vás...
- ...
- Olha, eu... quase que vejo o teu rosto...
- Não forces o ritmo da Natureza.
- Mas...
- As coisas fluem ao ritmo delas.
- ...

*

- Tens de saber libertar, de confiar, para aprenderes a viver.

Esta frase tinha-me dito a morte no meio de um campo de batalha. Uma frase inspiradora, bonita, digna de ser partilhada. Mas nunca pensei que, esta frase, este libertar, este confiar, este viver, doesse tanto...

*

Ela saiu pela porta da cabana. Seguiu pelo caminho por onde a tinha trazido. Antes de desaparecer, virou-se e acenou.

*

Fiquei outra vez só...

*

Quando acordei, no outro dia, a chuva tinha parado. O sol despontava. Os pássaros cantavam. Uma brisa trazia o mar...

Os dias em que cuidei dela, pareciam ter sido um sonho. No entanto, a vida à minha volta já não parecia a mesma.

Levantei-me. Segui até à baía. E, todos os dias, voltei a repetir este ritual, à espera de a encontrar de novo...

Rui M. Guerreiro