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21 fevereiro 2019

A flor




Há flores que se tatuam em nós... Que ficam na nossa memória...

*

Ao caminhar para a aldeia, vi uma flor. A primeira do Inverno, prenúncio de Primavera.

O sol aquecia as plantas, secava a lama dos caminhos, cobria-me como uma manta.

Parei a acariciar aquela flor. A elogiá-la pela coragem. Pela cor que despertava.

*

O Inverno aproximava-se do fim. Os dias eram mais quentes, longos. As primeiras flores apareciam. Os animais estavam mais ativos.

Naquele dia, chovia. Caminhava sem destino, quando encontrei uns demónios a guardarem algo. À volta, corpos de outros samurais.

Continuava o meu caminho, sem me desviar, quando um choro de bebé me despertou a atenção. Vinha daquilo que reparei ser uma alcofa.

Fingi nada ter notado. Os demónios levantaram as cabeças e fixaram-me. Continuei.

Quando saí do raio de visão, voltei para trás... em silêncio.

Os demónios distraiam-se em pequenas discussões.

Quando me aproximei, vi que era quase impossível resgatar a alcofa sem ser notado. Tinha de lutar com eles.

Desembainhei a katana devagar.

Esperei o momento certo e ataquei. Os demónios, apanhados em surpresa, só tiveram oportunidade de cair... mortos...

Peguei na alcofa e puxei um bocadinho a manta. Uns olhos quase negros perfuraram-me. Algo tão frágil. Tão inocente. Tão simples... puro. Nas minhas mãos, banhadas de sangue, pesadas com cicatrizes.

Só o choro dela me despertou. Que deveria fazer? Teria fome? Sede? Estaria suja? O que faço?

Estava no meio de um ataque de pânico, quando surgiu do meio das árvores uma mulher.

Estendeu os braços. Entreguei a bebé. E ela calou-se. Como que por magia.

A mulher entregou-me uma flor. Sorriu. Partiu.

*

Há flores que marcam a nossa vida. Que nos mudam. Põe à prova. Despertam para uma nova Primavera.

Segui o meu caminho. Despedi-me daquela flor. E toquei nas que tenho tatuadas no meu coração.

Rui M. Guerreiro