Há flores que se tatuam em nós... Que ficam na nossa memória...
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Ao caminhar para a aldeia, vi uma flor. A primeira do Inverno, prenúncio de Primavera.
O sol aquecia as plantas, secava a lama dos caminhos, cobria-me como uma manta.
Parei a acariciar aquela flor. A elogiá-la pela coragem. Pela cor que despertava.
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O Inverno aproximava-se do fim. Os dias eram mais quentes, longos. As primeiras flores apareciam. Os animais estavam mais ativos.
Naquele dia, chovia. Caminhava sem destino, quando encontrei uns demónios a guardarem algo. À volta, corpos de outros samurais.
Continuava o meu caminho, sem me desviar, quando um choro de bebé me despertou a atenção. Vinha daquilo que reparei ser uma alcofa.
Fingi nada ter notado. Os demónios levantaram as cabeças e fixaram-me. Continuei.
Quando saí do raio de visão, voltei para trás... em silêncio.
Os demónios distraiam-se em pequenas discussões.
Quando me aproximei, vi que era quase impossível resgatar a alcofa sem ser notado. Tinha de lutar com eles.
Desembainhei a katana devagar.
Esperei o momento certo e ataquei. Os demónios, apanhados em surpresa, só tiveram oportunidade de cair... mortos...
Peguei na alcofa e puxei um bocadinho a manta. Uns olhos quase negros perfuraram-me. Algo tão frágil. Tão inocente. Tão simples... puro. Nas minhas mãos, banhadas de sangue, pesadas com cicatrizes.
Só o choro dela me despertou. Que deveria fazer? Teria fome? Sede? Estaria suja? O que faço?
Estava no meio de um ataque de pânico, quando surgiu do meio das árvores uma mulher.
Estendeu os braços. Entreguei a bebé. E ela calou-se. Como que por magia.
A mulher entregou-me uma flor. Sorriu. Partiu.
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Há flores que marcam a nossa vida. Que nos mudam. Põe à prova. Despertam para uma nova Primavera.
Segui o meu caminho. Despedi-me daquela flor. E toquei nas que tenho tatuadas no meu coração.