O medo. Prende. Sufoca. Mata-nos aos poucos.
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Sempre senti medo. Medo do escuro. Medo de fantasmas. Medo da perda...
A escuridão. As memórias. Aprendi a viver com elas.
Aliás, passaram a ser parte da minha natureza.
Um guerreiro por onde anda, deixa um rasto de escuridão. Deixa-o na esperança que esta acabe. Mas a escuridão alimenta-se das passadas do guerreiro. Vê nelas um combustível.
Apesar de sentir que a vida mudou com aquela última batalha, a escuridão mantém-se no meu coração. Ela está lá. Presa. Colada. Agarrada com as suas garras de aço... frio...
No fundo, o guerreiro caminha naquela linha ténue que separa o Yin e o Yang. Tenta equilibrar-se nela, sabendo que a escuridão e a luz são irmãs e que andam de mãos dadas.
Quando era pequeno receava a escuridão, porque ela trazia os fantasmas. Sombras prateadas que vogavam à minha volta.
Sombras que passei a ver nas casas onde entrava. Sentia as memórias das paredes, das vidas que tinham pintado cada camada de tinta.
O medo prendia-me, sufocava-me, em criança. Não andava no escuro, com medo. Isolava-me com medo.
Até que um dia, vi-me obrigado a sair da minha aldeia. A escuridão e os fantasmas tinham morto a artesã que tanto amava... e... foi a eles que recorri para me vingar...
Abracei então a escuridão. Deixei-me cair nela. Apoiei-me nos fantasmas... e servi o medo aos outros.
Porém, não me apercebia de outro medo que nasce nas entranhas da escuridão e dos fantasmas... o da perda.
Cresceu em mim, como um parasita. Quanto mais me afastava do Amor, mais esse parasita crescia...
Um dia, voltei a encontrar uma mulher que amei, mas o assassinato dela assombrou-me. Mais uma vez perdia quem amava...
Sei que a vida é feita de perdas. De dor. Nunca o neguei. Aliás, provoquei-as tantas vezes...
Mas na vida de samurai, e depois de ronin, a perda não é uma escolha. É, simplesmente, parte de um dia de trabalho. Da rotina.
Agora, ali, naquela baía, vejo como a escuridão me desequilibrou. Reconheço o paradoxo de ter escolhido a escuridão para lhe fugir. Vejo como a vingança e o medo me agrilhoaram durante tanto tempo...
A solidão, naquele porto de abrigo, mostra-me como preciso, não de cair, mas abraçar a escuridão e o medo. Vê-los como velhos amigos, que me ajudam a viver com luz.
O medo e o Amor são antagonistas, talvez os verdadeiros contrários. Mas o medo pode levar-me ao Amor, servir-me de guia, de bússola, como dizia o pergaminho.
Olho para aquelas águas, lentas... sossegadas... silenciosas... Vejo nelas o reflexo do céu, das escarpas que rodeiam esta baía.
A vida, como reflexo da vida... a ironia que sempre me falhou. Que nunca me permitiu ver que os opostos não se atraem, simplesmente indicam o caminho de um para o outro.
E é nesse caminho que tenho de andar, na esperança de um dia voltar a encontrar aquela mulher de quem tanto tenho medo... mas que tanto amo... Mesmo sem conhecer as suas verdadeiras feições...
*
A brisa envolve-me num abraço... Segreda-me...
- Persiste! Insiste! Está quase...