Passado. Futuro. Sombras no nevoeiro do presente...
*
A manhã despertou em nevoeiro.
Não conseguia ver nada a um passo de distância. Era uma névoa pesada. Densa.
Perdia-me em pensamentos a cada passo que dava. A cada sombra que via. A cada som...
A mulher dos mil rostos não me saía da cabeça.
Tinha de cortar com este pensamento obsessivo. Ocupava-me todos os instantes. Mesmo quando treinava, meditava, ou contava histórias na aldeia.
Nada conseguia apagar o que sentia, desejava, pensava.
Sem me aperceber cheguei ao pé do mar. As águas misturavam-se com o nevoeiro. Hoje o mundo estava em tons de cinza.
O cheiro a humidade, a maresia, hoje estava mais forte. Impunha-se.
Sentei-me à espera.
Enquanto esperava, observava o que me rodeava. Tentava distinguir os contornos que tão bem conhecia. As sombras que todos os dias via.
Foi naquele momento que a vi. A poucos metros de distância. Uma sombra saía da água.
Levantei-me.
Dirigi-me a ela, preparado para combater. Os demónios não descansam.
Ela parou. Ficou de frente para mim.
Aproximei-me.
Comecei a sentir um perfume... o perfume. Era ela!
Tentei chegar-lhe. Mas ela desapareceu.
Não estava nada ali.
Virei-me à procura.
Nada!
- Estás aí?
Nada!
Sentei-me no chão. Desiludido. Triste. Pronto para desistir de tudo. Não fazia sentido continuar assim...
Já chegava. Esta dor. Esta ilusão. Esta espera. A solidão consumia-me. O desejo de a voltar a ver corroía-me por dentro.
Tinha de mudar. Tinha de...
Quem queria enganar? A melhor alternativa era entregar-me à morte. Dar-lhe o meu corpo. Para que a minha alma se sentisse livre.
Levantei-me. Comecei a andar para a água, decidido a deixar-me levar pelas ondas. Acabar aquilo que a sereia não deixou.
O perfume. Outra vez o perfume...
A minha mente pregava-me partidas... Continuei!
- Pára!
- ...
- Não desistas agora!
- ...
- Toma!
Uma mão pegou na minha e entregou-me um pergaminho...
Eu sabia o que dizia.
Sorri.
O perfume ficou em mim. Rodeava-me. Com ele... a esperança.