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24 fevereiro 2019

A saudade




Saudade. Os ecos de um amor que partiu... morreu...

*

Esta manhã recusei ir à baía. Não podia.

Hoje neguei a dor.

Hoje evitei a saudade.

Distraí-me na cabana.

Sei que parece um paradoxo. Como posso evitar a saudade quando vivo na cabana que era dela? Na cabana onde ela e eu cuidámos um do outro.

Mas a baía, para mim, ligava-nos de uma forma mais profunda. Era onde as nossas vidas confluíam.

Foi ali que a conheci como sereia. Foi ali que a vi rir pela primeira vez. Admirei o seu corpo despido. Senti que a nossa ligação era mais do que ao nível hormonal, atómico...

Enquanto limpo a cozinha, a sala, o quarto... À medida que troco a cama, as fronhas das almofadas...

Sinto a saudade como uma brisa, fresca, leve...

Há um arrepio que cresce nas minhas costas, que termina no coração. As lágrimas soltam-se... Como as ondas que embatem futilmente na praia.

Deixo cair as coisas, para suster o dilúvio ocular. As mãos nos olhos. A boca aberta que grita de dor.

O corpo encolhe-se. Encosta-se na cama. E deixa-se destruir. Deixa-se partir.

A saudade abraça-me. Aperta-me com a força da morte, esquecendo-se que ela me protege.

Levanto-me! Grito pelos cantos da cabana. Atiro para o chão os objetos inocentes que se colocam no meu caminho.

Saio pela porta. Corro para a baía. Procuro algum conforto. Só um. Um abraçar. Um colo. Alguém que me minta. Que me diga que tudo vai passar....

Mas à minha volta só as árvores me escutam. Nem os pássaros esperam pela minha presença. Voam para longe...

Quando chego ao pé da água, vejo o azul do céu, espelhado na tranquilidade da maré.

Grito por ela! Chamo-a!

As lágrimas juntam-se às águas por onde entrei. Na vã esperança que aquela união de sal me sirva como oferenda às deusas da água...

Onde está ela?

- Onde estás tu?

Só o eco me responde.

Caio na água, de braços abertos, e deixo a corrente levar-me para a praia...

Ali fico...

*

Ao acordar, vejo uma concha depositada no meu peito. Sobre o coração.

Pego nela. Levanto-me. Vejo pegadas na direção da água.

Corro para a beira das ondas... e... beijo a primeira espuma...

Rui M. Guerreiro