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15 fevereiro 2019

O grito



Regressar... O verdadeiro regressar é descobrir com novos olhos...

*

Voltei à cabana. As estrelas já tinham coberto o escuro do céu. Estava demasiado dorido, para me sentar lá fora... a admirar.

Entrei e algo estava diferente.

As coisas estavam arrumadas. Tudo o que deixara de pantanas para perseguir a sombra, estava agora no sítio certo. Havia um cheiro a chá no ar. Um pão elevava-se no centro da mesa. Ao lado... carne?

A pessoa que me tinha arrastado pelo túnel tinha estado ali. Percorri todos os cantos da cabana, na esperança de a encontrar. Perguntar quem era, o que queria comigo...

O perfume...

Senti o perfume no quarto. Havia uma marca na almofada. Aquela pessoa tinha-se deitado ali. Aproximei-me e vi um envelope.

Peguei-lhe. Ia abrir quando ouvi um grito lá fora. Coloquei o envelope sobre a almofada. Peguei num pau e corri dali.

O grito vinha de dentro da floresta de bambu. Não havia lua. Estava tudo escuro.

A indecisão pegou em mim e gozou comigo. Não sabia o que fazer. Tinha medo de encontrar os demónios outra vez. E ainda sentia as marcas desse confronto.

Ouvi o grito outra vez e fui.

Tentei encontrar a origem, mas agora só ouvia o vento a assobiar pelo bambu. O restolhar das folhas. A minha respiração.

Olhava à minha volta, mas não conseguia ver nada. Ouvir nada. Sentir... nada.

Fiquei ali... o vento mudou, as estrelas rodaram no céu e eu fiquei ali. Em silêncio.

Não voltei a ouvir o grito.

Decidi voltar. Mas percebi nessa altura que não sabia como. Tinha corrido sem sentido. Sem fixar pontos de referência.

Fui andando devagar. Podia ser que fosse dar aos limites da floresta de bambú e aí reconhecesse algo.

Andei. Sentei-me. Descansei. Levantei. Andei...

Quando estava prestes a decidir-me por dormir mesmo ali, vi um vulto. Outra vez os demónios. Preparei-me para o embate, apesar das dores que ainda sentia.

Mas nada aconteceu. O vulto não se mexia.

Decidi avançar.

À medida que andava, mais sentia o perfume. Seria a tal pessoa?

Quando me aproximei, vi a capa, pendurada num bambu cortado. Estendi a mão para lhe pegar e senti... era sangue. A viscosidade, o cheiro...

Seria da pessoa?

Peguei na capa e continuei naquela direção.

Após alguns passos vi o final da floresta e, um pouco mais ao longe, a luz de uma cabana... A minha?

Corri para lá. A porta estava aberta. Entrei com o pau em riste. Ninguém. Só um rasto de gotas de sangue... que me levavam até ao quarto.

Segui com cuidado. A minha respiração estava ofegante. O coração acelerado...

Limpei a testa com as costas da mão.

Entrei no quarto e ali estava ela. A mulher dos mil rostos. Deitada na minha cama. Branca. Com roupa em sangue.

Larguei o pau e a capa (porque razão ainda tinha a capa na mão, ultrapassava-me!). Aproximei-me com urgência. Tinha uma seta partida espetada no ombro.

- Salva-me!!!

Rui M. Guerreiro