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02 fevereiro 2019

Despedida silenciosa



O vento soprava. Com ele, as minhas dores...

*

Ouvia-se a violência dos ramos a bater nas árvores. A chuva a bater no telhado.

A cabana estava toda fechada. Menos uma nesga de janela, por onde a mulher de mil rostos fugia com o olhar.

Havia momentos em que quase via a expressão única daquela mulher. Mas eram pequenos intervalos entre a sequência de caras.

Acordara há um bom bocado, mas ficara em silêncio. A admirar a sua beleza desconhecida. A imaginar as histórias que viviam em cada célula do seu corpo.

*

Havia um homem e uma mulher naquele rochedo.

Os dois choravam. Os corpos aproximavam-se e separavam-se simultaneamente.

Poderia dizer-se que era a força do vento que os obrigava àquela dança muda. Mas as lágrimas que corriam em ambos os rostos, misturadas com as gotas da chuva, desacreditavam essa hipótese.

Havia dor em ambos os olhares. Uma despedida silenciosa.

A chuva e o vento castigavam aquela decisão.

As mãos tentavam tocar-se, mas no mesmo instante negavam esse luxo. Ele dava um passo em direção dela. Ela recuava. Ele mais um. Ela virava-lhe as costas.

Ele recuava. Ela voltava-se para ele. Levantava a mão. Ele virava-se. Ela cruzava os braços. Ele voltava-se e olhava para ela. Estendia as duas mãos. Mas encontravam o vazio.

Aqueles dois seres ficaram ali imenso tempo, naquela dança, naquele ritual de despedida.

Eu tinha que a levar. O pai dela tinha-me pago para a trazer... E o matar.

Mas eu decidira não o fazer. Há mortes que não merecem ser executadas.

Finalmente despediram-se. Via nos olhos dela um misto de dor e de alívio, quando se aproximou de mim.

Partimos.

Ela olhou para trás e acenou para a sombra que contrastava com as nuvens do céu.

Virou-se para o caminho e estugou o passo atrás de mim.

O homem acenou de volta e lançou-se de braços abertos, para um mar que cantava o seu nome.


Há mortes que não devem ser executadas... e, esta, não fui eu.

*

Ela continuava a olhar pela nesga da janela. Via nos olhos algumas lágrimas. Sentia naquela expressão de caras distintas o mesmo sentimento... saudade.

Olhou para mim. Limpou as lágrimas. Ajeitou o cabelo. Sorriu.

Fixei-me naquele sorriso. Triste. Suspenso num tempo que não era o meu...

Rui M. Guerreiro