Pesquisar neste blogue

31 janeiro 2019

O sorriso



A madrugada, para mim, sempre teve um sabor especial. Um recomeço. Uma nova vida.

*

As feridas tinham voltado a infetar. As dores pioraram. A dormência regressou.

Acordei com as dores e com um barulho leve. A mulher dos mil rostos afastava-se lentamente da casa. Da janela que ficava ao lado do meu leito, consegui vê-la a dirigir-se para a baía.

Os meus olhos fixaram-se naquela forma feminina que desaparecia no meio da vegetação. Assim como o meu coração...

*

Voltei a acordar quando ela voltou. Vinha diferente. Os rostos continuavam a suceder-se, mas os olhos, eram tristes. Ela tinha chorado.

Desde que tinha sido acolhido por esta estranha mulher, nunca tinha reparado nela no seu todo. Ainda não a tinha visto como... mulher... pessoa.

Os rostos, as vozes, sempre me absorveram mais. Levavam-me ao mundo das memórias. Faziam olhar para dentro de mim.

Mas naquele momento, vislumbrei a verdadeira tristeza que a corrói. E ali, naquele momento, reconheci-a. Havia um sentimento de casa nela...

Pensei que pudesse ser dos rostos que via nela... Mas não. Era algo de muito mais antigo. Algo que nos unia há muitos anos, muitas vidas.

Ela olhou para mim. Os nossos olhos fixaram-se. E no segundo em que nos vimos, uma eternidade caiu sobre nós.

Ela sorriu. Eu sorri...

*

- Guerreiro! Estás bem?
- ...
- Guerreiro! Guerreiro!

*

Desmaiei. Perdi-me outra vez no mundo das memórias.

Rui M. Guerreiro