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23 janeiro 2019

O primeiro passo



O cheiro do pântano pesava nas minhas narinas.
O suor e o sangue continuavam a misturar-se na minha pele.
Os passos tornavam-se mais pequenos, pesados... desmaio!

*

Uma mão... Há sempre uma mão no ombro que nos acorda.
Mas esta já não existia. Era um fantasma de um passado que pensava ter morto.

Ela olhava para mim. Não a mão, claro, os olhos a quem a mão pertencia. Uns olhos fundos e desgastados. Cansados. Tristes. Desconhecidos. As lágrimas corriam-lhe pelo rosto.

A boca mexia-se. Dizia qualquer coisa.

Tempestade. Talvez fosse isso. Não sei porquê, associei a uma historieta que contavam aos guerreiros que precisavam de ânimo:
O Destino disse ao guerreiro:
- Cuidado, aproxima-se uma tempestade!
O guerreiro responde:
- Eu sou a tempestade!
Nunca gostei dela. Torna épico algo que não o é.

Ser tempestade. Destruir o que nos rodeia. Matar quem nos ataca. É tão fácil. Tão fácil... Depois da primeira, da segunda, da terceira, deixamos de contar. Perdemos o número das vezes que provocámos dor.

E eu... Eu fui tempestade. Aquela pessoa a quem pertencia a mão que me segurava o ombro era testemunho disso. Da destruição que a minha tempestade trouxe.

À minha volta jaziam os corpos dos demónios que tinham atacado a aldeia. À minha volta jaziam os corpos daqueles que lutaram a meu lado. Amigos, companheiros, desconhecidos, aldeões, velhos, novos...

Todos levados pela tempestade que eu trouxe. Todos vítima da minha ira. Da minha guerra contra os demónios.

Aquela pessoa que me agarrava o ombro continuava a falar, mas eu não percebia. Ou não ouvia... Ou seria tudo um sonho?

Tentei focar-me e percebi que era a Morte. Ela estava ali. Não para me levar, mas para me dizer algo.

*

Continuo deitado. Começo a sentir o corpo. As dores, as feridas, voltam a dizer "Presente!". Tento ouvir alguma coisa. Mas o silêncio é profundo.

A rodear-me há um cheiro de malvas. Sei que estou despido, sobre uma cama. Já não estou no pântano.

Tento abrir os olhos, mas ainda sinto ser muito cedo. Eles pesam-me. Afinal o que tinha visto era um sonho...

A Morte falava comigo. Dizia...


Rui M. Guerreiro