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25 janeiro 2019

A mulher



A morte... A morte dizia... A morte dizia qualquer coisa...

Uma mão fria, suave, sentiu a minha testa. Tentei abrir os olhos, a boca, mas os dedos dessa mão impunham o seu peso.

Senti um líquido a escorrer pela boca, garganta, esófago... E nesse momento, tudo ardeu em mim. Depois... um peso.

Tentei mexer-me. Soltar-me desta languidez, desta preguiça que me prendia à cama. Mas as forças... faltavam-me.

Depois do sono profundo e sem sonhos, volto a tentar abrir os olhos. Desta vez não tinha oposição e consegui erguer as pálpebras o suficiente para ver uma mulher que se aproximava. Mas por mais que tentasse focar, parecia que ela mudava de feições, de cor de olhos, de cor de cabelo.

Tentei fechar os olhos para ela não perceber, mas o fascínio daquelas caras num só corpo de mulher mantinha-me fixado.

O tempo que ela levou a chegar a mim deve ter sido curto, no entanto sentia-o tão longo... Reconhecia em cada feição o rosto de todas as mulheres que conheci, que amei, que deixei...

As lágrimas começam a encher os meus olhos. Naquele rosto vejo a dor que lhes provoquei. Os sonhos que destruí... A morte que lhes trouxe.

Pela primeira vez, e perante uma estranha, que não era bem estranha, chorei sem controlo. Era um choro que vinha de dentro, acumulado por todos os vazios que criei no meu coração e aos quais fui sempre indiferente.

A mulher, ou será melhor dizer mulheres, sentou-se a meu lado. Tirou as compressas sujas ainda de sangue e pus. Lavou o meu corpo e voltou a colocar compressas nas feridas que persistiam em não querer cicatrizar.

Todos os movimentos foram feitos de forma simples, eficaz... e ternurenta. Sentia o amor em cada gesto, em cada toque, daquela mulher que era muitas.

Depois parou. Olhou para os meus olhos. E nos dela perdi-me...

Rui M. Guerreiro