Os sonhos... os sonhos levam-me ao que quero esquecer.
*
A frescura da água confortava-me. Sentir a água escorrer pelo meu corpo, a bater-me nas costas.
Sempre que podia, refugiava-me naquela pequena cascata. Ali banhava-me, meditava e treinava.
Mas naquele dia sentia que algo ia mudar. O ar estava diferente. Pesado. Mesmo as cores estavam mais pastel. Mortiças.
Secava o meu corpo quando aquele guerreiro apareceu. Vindo do nada. Surgiu em forma de sombra entre as árvores. O silêncio rodeava-nos. Os pássaros tinham debandado, os insectos estavam parados. Só a água insistia em correr.
Até as rãs tinham deixado os nenúfares órfãos da sua canção.
Vesti-me. Peguei na minha katana. E dirigi-me para uma pequena clareira, onde costumava comer.
O guerreiro seguiu-me.
Parámos. Um em frente do outro.
Por cortesia, apresentei-me. Ainda não tinha acabado, quando ele me atacou.
Desviei-me do primeiro golpe. Desembanhei a espada. Ajoelhei-me e espetei-a no baixo ventre do outro guerreiro, no exacto momento em que ele me atacava à altura do pescoço.
Os duelos costumam ser rápidos, mas este...
Retirei a espada do corpo do meu adversário. Baixei-me e tirei-lhe o elmo.
Era uma mulher. Ainda estava viva. Dizia qualquer coisa. Aproximei o ouvido.
- Lembra-te de mim!
*
Acordei sobressaltado. Ainda era de noite.
Lembrava-me dela. Sentia ainda a dor que lhe provoquei. A mágoa, o desespero. A solidão.
Queria sair daquela cama. Fugir daquela casa. Ressuscitar aquela guerreira. Mas, o passado cria-nos ilusões. Inventa sentimentos à noite, que não sobrevivem à luz do dia. Da verdade.
Voltei a chorar. Voltei a sentir a água fresca daquela cascata. Como gostava de lá voltar.