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26 janeiro 2019

Lembrar



Os sonhos... os sonhos levam-me ao que quero esquecer.

*

A frescura da água confortava-me. Sentir a água escorrer pelo meu corpo, a bater-me nas costas.

Sempre que podia, refugiava-me naquela pequena cascata. Ali banhava-me, meditava e treinava.

Mas naquele dia sentia que algo ia mudar. O ar estava diferente. Pesado. Mesmo as cores estavam mais pastel. Mortiças.

Secava o meu corpo quando aquele guerreiro apareceu. Vindo do nada. Surgiu em forma de sombra entre as árvores. O silêncio rodeava-nos. Os pássaros tinham debandado, os insectos estavam parados. Só a água insistia em correr.

Até as rãs tinham deixado os nenúfares órfãos da sua canção.

Vesti-me. Peguei na minha katana.  E dirigi-me para uma pequena clareira, onde costumava comer.

O guerreiro seguiu-me.

Parámos. Um em frente do outro.

Por cortesia, apresentei-me. Ainda não tinha acabado, quando ele me atacou.

Desviei-me do primeiro golpe. Desembanhei a espada. Ajoelhei-me e espetei-a no baixo ventre do outro guerreiro, no exacto momento em que ele me atacava à altura do pescoço.

Os duelos costumam ser rápidos, mas este...

Retirei a espada do corpo do meu adversário. Baixei-me e tirei-lhe o elmo.

Era uma mulher. Ainda estava viva. Dizia qualquer coisa. Aproximei o ouvido.

- Lembra-te de mim!

*

Acordei sobressaltado. Ainda era de noite.

Lembrava-me dela. Sentia ainda a dor que lhe provoquei. A mágoa, o desespero. A solidão.

Queria sair daquela cama. Fugir daquela casa. Ressuscitar aquela guerreira. Mas, o passado cria-nos ilusões. Inventa sentimentos à noite, que não sobrevivem à luz do dia. Da verdade.

Voltei a chorar. Voltei a sentir a água fresca daquela cascata. Como gostava de lá voltar.

Rui M. Guerreiro