Os dias passam rápido, quando sonhamos...
No entanto, há cicatrizes que demoram a curar. Há cicatrizes que insistem em infetar, recusam-se a fechar.
*
A mulher de muitos rostos, de diversas vozes, continua a cuidar de mim. Limpa-me as feridas. Dá-me de comer. Leva-me a sentar numa cadeira no alpendre da sua cabana, para apanhar sol.
Adoro estar ali, sossegado, logo de madrugada, para ouvir os pássaros a cantar. O dia a despertar.
Há uma brisa que chega do mar. Sinto o cheiro a maresia. Adoro senti-lo misturado com as flores que se começam a abrir e a espreguiçar sob os primeiros raios de sol.
A mulher deixa-me estar, sozinho. Umas vezes medito. Outras vezes, escrevo. Algumas, desenho. Outras, simplesmente estou, a receber tudo o que me rodeia.
*
- Como te chamas?
- Tenho vários nomes.
- Diz um.
- Como me queres chamar?
- ...
*
- Quem és tu? Todos os momentos que me olhas... Tens o rosto de uma mulher que conheço. Quando falas, a voz de uma mulher que conheço.
- Quem queres que seja?
- ...
*
- Porque cuidas de mim?
- Porque não haveria de cuidar de ti?
- Sou um estranho. Não sabes o meu passado...
- Achas que não sei?
- ...
*
- Calma Guerreiro, estou aqui! É só um pesadelo!
- Que aconteceu?
- Só um sonho. Relaxa, está tudo bem... Dorme!
- ...
*
- Estou farto! Diz-me: QUEM ÉS? Qual é a tua cara verdadeira? A tua voz? DIZ-ME!
- Saberás a seu tempo!
- AGORA!
- Só te posso dizer uma coisa... Verás a minha cara verdadeira... Ouvirás a minha voz verdadeira... Quando te curares das feridas. Aí, nesse momento, saberás quem sou.
- ...
- ...
- Desculpa!
- Chiu! Não digas nada... Olha para ali, vês aquela onda?
- Sim!
- Aquela onda, a mais alta de todas?
- Sim!
- Essa é a onda em que vou mergulhar!
Ri-me. Há muito que não me ria assim. As gargalhadas ouviam-se pela praia, faziam eco nas rochas que fechavam a pequena baía.
Ao fundo, um corpo de mulher, nu, mergulhava naquela onda. Na mais alta de todas...