Pesquisar neste blogue

29 janeiro 2019

O duelo



- Lembra-te de mim!

Eu tentava lembrar. Mas a morte daquilo que nos liga em batalha, transforma-nos, afasta-nos...

*

Caminhava devagar. Tentava apaziguar o meu coração. Aquela batalha, aquela mulher... As palavras dela ressoavam em mim.

À minha volta só havia escuridão. Frio. Sangue.

Há sempre sangue. Há sempre feridas. Há sempre vazios. Todas as lutas deixam marcas. Todas as lutas levam pedaços de nós.

Andava sem direção, quando ouvi o barulho de espadas a cruzarem-se.

Corri.

Quando cheguei à clareira. Lá estava uma mulher... a lutar com um demónio.

Defendia-se e atacava com uma intensidade única. As espadas faiscavam a cada embate. O pó elevava-se a cada movimento. O duelo era como um bailado, em que dois corpos se complementam.

Por respeito, fiquei de fora. Ninguém deve interromper um duelo, mesmo que implique a morte de alguém de quem gostamos.

No entanto, outro demónio encontrava-se nas sombras. À espera da sua oportunidade. Vigiei... E quando atacou, intervi. Fui rápido. Eficaz.

Entretanto, a mulher também já tinha morto o seu adversário. Respirava ofegante. Cansada de tão difícil luta. Sangrava.

Aproximei-me e ela desmaiou.

Peguei nela. Cuidei das suas feridas e guardei-a.

Quando acordou, fiz-lhe o pequeno-almoço. A manhã estava encoberta. O silêncio era pesado. Sentia-se na pele. Aproximava-se a tempestade.

Quando acabámos. Olhámos para os olhos de cada um. Lutávamos com a inevitabilidade.

Mas nenhum guerreiro pode matar os demónios alheios, sem um pedido de ajuda. Quando o faz... Tem de pagar as consequências.

Erguemo-nos. Cumprimentamo-nos. Desembainhámos as espadas.

As primeiras gotas de chuva começaram a cair. Tiravam o peso do silêncio que nos cobria.

Ela atacou. Mas eu não conseguia responder. Limitava-me a defender.

A fúria dela crescia a cada investida. Notava-se pela força de cada estocada. E eu?

Comecei a perder as forças. O peso do duelo anterior começava-se a notar.

- Lembra-te de mim!

Outra vez aquelas palavras...

A espada dela cortou-me a barriga. Caí de joelhos. E ela... parou. Olhou para mim, bem fundo nos olhos e deu-me um pontapé na cabeça.

*

- Calma Guerreiro!

A mulher das diferentes caras e vozes trocava com urgência uma das minhas feridas.

- Abriu outra vez.

À medida que ela limpava e tentava estancar o sangue, eu cada vez mais ficava fraco... Até que desmaiei...

Rui M. Guerreiro